A Certain Magical – Prólogo

O Conto do garoto que podia matar ilusôes

Ele parecia um idiota fugindo pela própria vida. Observava enquanto os brutamontes iam caindo um a um, desabando de joelhos no chão.

— É a solução perfeita, e ninguém precisa se machucar — pensou consigo mesmo.
Mas o que disse em voz alta foi:

  • M-Merda… Por que eu tenho que desperdiçar minha juventude com uma idiotice dessas?!

Estava frustrado. Vendo todos aqueles casais cheios de felicidade e sonhos açucarados ao redor, Kamijou se sentia um perdedor na vida.

As férias de verão começavam no dia seguinte. Era bem deprimente não ter nenhum tipo de comédia romântica em sua vida.

Atrás dele, um dos delinquentes zombou:

  • Para aí!! Correr é tudo que você sabe fazer, seu pirralho?!

Não eram exatamente as palavras doces que ele tinha em mente, e aquilo irritou Kamijou.

  • Cala a boca! Vocês deviam me agradecer por eu não ter arrebentado a cara de vocês, seus macacos estúpidos!

Disse isso mesmo sabendo que estava desperdiçando energia valiosa…

…Sério, vocês deviam me agradecer por não terem se machucado, porra!

Depois disso, ele correu mais dois quilômetros, suando e quase chorando. Saiu da área central da cidade e chegou a um grande rio atravessado por uma ponte metálica com cerca de 150 metros de comprimento. Nenhum carro à vista. A ponte de ferro robusta não tinha nem iluminação, só o breu inquietante que lembrava o mar à noite.

Correndo pela ponte, deu uma olhada para trás.

Parou. Em algum momento, despistou todos os perseguidores.

  • M-merda… Será que finalmente despistei eles?

Lutando contra o impulso de simplesmente se jogar no chão ali mesmo, Kamijou olhou para o céu noturno e respirou fundo.

Uau, eu realmente resolvi o problema sem dar um soco em ninguém. Acho que mereço um tapinha nas costas.

  • Mas que porra foi essa? Tá tentando bancar o herói defendendo aqueles idiotas? É algum tipo de professor superprotetor?

Kamijou congelou.

Ele não a tinha notado antes — não havia uma única fonte de luz naquela ponte — mas uma garota estava ali, cerca de cinco metros à frente, na direção de onde ele viera. Usava uma saia plissada cinza, uma blusa de manga curta e um suéter de verão. Tinha toda a aparência de uma aluna normal do ensino fundamental.

Olhando para o céu, Kamijou seriamente considerou só cair de costas no chão.

É a garota que estava sendo importunada no restaurante.

  • …Então é isso? Quer dizer que aqueles caras pararam de me seguir porque…

  • É. Eles estavam enchendo o saco, então eu fritei eles.

Ele ouviu o som da eletricidade e viu um clarão azul-pálido.

Não, a garota não segurava um taser. Toda vez que o cabelo castanho até os ombros se mexia, faíscava como se fosse algum tipo de eletrodo.

Um saco plástico vazio flutuou ao vento, passando diante do rosto dela. Imediatamente, os estalos azulados o erradicaram. Era como algum tipo de sistema automático de interferência.

  • Uau — murmurou Kamijou, exausto.

Era dia 19 de julho. Foi por isso que entrou numa livraria e comprou um mangá obviamente ruim, que foi a um restaurante sem fome e que decidiu se meter quando viu uma garota sendo assediada por bêbados.

Mas Kamijou não pensava: “Preciso salvar essa garota.”

Ele só pensava em salvar os idiotas que cruzaram o caminho dela.

Suspirou. Aquela garota era sempre assim. Ele a via há quase um mês, mas nenhum dos dois sabia o nome do outro.

Ou seja, não estavam nem próximos de virar amigos.

Ela sempre vinha toda metida, dizendo que ia transformá-lo em lixo, e Kamijou só rebatia. Sempre. Sem exceções.

Ela talvez se animasse se ele fingisse que ela tinha ganhado, mas ele era um péssimo ator. Tentou uma vez e passou a noite inteira sendo perseguido por algo que só podia ser descrito como um monstro.

  • …Espera, o que foi que eu fiz mesmo?

  • Eu não permito que exista alguém mais forte do que eu. Isso já é motivo suficiente.

Foi só isso que ela disse.

Até os personagens de jogo de luta hoje em dia têm motivações melhores do que ela, pensou Kamijou.

  • Já cansei de você me fazendo parecer uma idiota. Eu sou uma esper de Nível Cinco, entendeu? Acha mesmo que eu usaria força total contra um Zero incompetente? Eu conheço várias maneiras boas de cozinhar fracotes, sabia?

Essa cidade, ao contrário das outras, não seguia o velho roteiro onde os delinquentes de rua eram os mais fortes. Aqueles brutamontes mais cedo eram uns zés-ninguém — espers de Nível Zero, Impotentes, que largaram o Currículo de desenvolvimento de poderes sobre-humanos.

Os verdadeiramente fortes naquela cidade eram pessoas como ela: espers nível honor roll.

  • Então… Eu já sei que você tem 1 em 320.857 de talento, mas devia parar de se achar se quiser viver uma vida longa e saudável, beleza?

  • Cala a boca. Aqueles caras se rebaixam a coisas nojentas tipo injetar droga direto na veia ou enfiar eletrodos no cérebro e ainda assim não conseguem entortar uma colher. Se isso não é total falta de talento, então o que é?

Sim. Esse é o outro lado da Cidade Acadêmica.

Esse lado onde o Desenvolvimento Cerebral — com nomes mais bonitinhos tipo Mnemônica ou Técnicas de Memorização — era silenciosamente parte do currículo estudantil.

Mas não era como se todos os 2,3 milhões de “alunos” da cidade tivessem deixado de ser humanos, tipo herói de mangá. Se olhasse para a população como um todo, pouco menos de 60% estavam em um nível onde mal conseguiam entortar uma colher se forçassem tanto o cérebro a ponto de romper os vasos sanguíneos. Eram só Zeros inúteis.

  • Se você quiser entortar uma colher, é só usar um alicate. Se quiser fogo, compra um isqueiro por cem ienes. A gente não precisa de telepatia — temos celular. Esses superpoderes nem são tão especiais assim.

Isso vinha de Kamijou, que carregava o estigma de ter sido rotulado como um esper inútil pelos Sensores durante um exame físico geral.

  • Eles são todos pirados. Vocês só estão se gabando de uns subprodutos chamados poderes sobrenaturais. O objetivo não era ir além disso?

A garota, uma das sete únicas espers Nível Cinco da Cidade Acadêmica, torceu os lábios em resposta.

  • Hã? …Ah, isso aí. Como era mesmo? “O homem não pode medir Deus; portanto, precisamos primeiro obter um corpo além do humano, ou nunca chegaremos às respostas de Deus”?

Ela riu com desdém.

  • É simplesmente ridículo. Que porra é essa tal de ‘intelecto de Deus’, afinal? Ei, você ouviu? Estão desenvolvendo umas ‘irmãzinhas’ de uso militar com base no meu DNA. Acho que os subprodutos acabaram sendo mais doces que o objetivo original, né?

Ela parou. A fala terminou de repente.

O ar ao redor mudou em silêncio.

  • …Bom. É isso que pessoas fortes diriam, né?

  • Hã?

  • Pessoas fortes, pessoas fortes, pessoas fortes. Elas não fazem ideia do esforço que é tentar conquistar qualquer coisa, porque nasceram com talento natural. O que você acabou de dizer soa exatamente como fala de herói de mangá: inconsciente e cruel.

Whzz. zz. zz. Um zumbido bizarro veio do rio sob a ponte.

Havia apenas sete espers daquele nível na cidade.

Quantos pedaços da própria humanidade eles tiveram que sacrificar pra chegar lá…? Uma chama sombria brilhou no fim das palavras da garota, sugerindo isso para ele.

Kamijou recusou aquilo.

Negou com uma única convicção: nunca recuar.

Nunca perder.

  • Ei, ei, ei! Dá uma olhada no exame físico anual, tá bom? Meu nível é zero, e o seu é cinco, o mais alto! Pergunta pra qualquer um por aí e eles vão te dizer na hora qual é melhor!

A ciência era usada para o Desenvolvimento de Habilidades da Cidade Acadêmica. Coisas como farmacologia, neurologia, fisiologia cerebral.

Mesmo sem talento algum, se você completasse o Currículo padrão, no mínimo conseguiria entortar uma colher com a mente.

Mas Touma Kamijou ainda não conseguia fazer nada.

Os dispositivos de medição da Cidade Acadêmica haviam verificado uma total ausência de talento nele.

  • Zero, hein? — repetiu a garota, saboreando a palavra. A mão dela mergulhou no bolso da saia por um instante e voltou segurando uma ficha de fliperama.

  • Ei, sabe o que é um Railgun?

  • Hm?

  • É uma arma de navio de guerra que dispara projéteis de metal usando eletroímãs superpotentes. O princípio é o mesmo de um trem maglev.

    Clink. A garota lançou a ficha no ar com o polegar.
    Ela girou no ar e pousou de volta no mesmo polegar.

  • …É mais ou menos assim…

Bem no momento em que ela falou…

Um feixe de luz laranja passou direto pela cabeça de Kamijou, sem emitir um único som. Na verdade, parecia mais um laser do que uma lança. Ele só percebeu que havia saído do polegar da garota porque foi ali que viu a ponta da luz.

Um instante depois, um estrondo ecoou como se um raio tivesse caído.
A onda de choque do ar sendo rasgado a centímetros de suas orelhas bagunçou seu equilíbrio. Cambaleando, ele olhou para trás.

No instante em que o feixe laranja colidiu com o asfalto da ponte, o chão foi empurrado para dentro, da mesma forma que a água quando um avião cai no oceano.
Depois de gastar sua energia destrutiva por uma linha reta de trinta metros, o raio se dissipou em um brilho residual, como uma cicatriz de luz no ar.

  • Até mesmo uma moeda como essa tem poder massivo se estiver voando a três vezes a velocidade do som. Embora derreta depois de uns cinquenta metros por causa do atrito com o ar.

Ferro e concreto balançaram violentamente, como se a ponte fosse uma frágil estrutura suspensa. Os parafusos metálicos que a mantinham unida tilintaram, soltando-se das fixações por toda a sua estrutura.

  • ……!!

Kamijou sentiu um arrepio, como se tivessem injetado gelo seco direto em suas veias.

Por um momento, pensou que aquilo iria evaporar toda a umidade do seu corpo.

  • V-você… Não me diga que usou isso pra se livrar daqueles caras!

  • Não seja idiota! Eu não uso isso em qualquer um. Não tô planejando virar uma maníaca homicida, sabia? — respondeu ela, o cabelo castanho faiscando com eletricidade.

  • Pra aqueles Zeros inúteis… Isso foi mais do que o suficiente pra dar conta deles!

De repente, uma faísca azul-pálida disparou da franja da garota como um chifre…

…e uma lança de relâmpago voou direto em sua direção.

Não tem como eu desviar disso. Era um raio disparado do cabelo de uma esper Nível Cinco. Era o mesmo que tentar escapar de um raio disparado de uma nuvem — mas só depois de vê-lo vindo.

THOOM!! O som da explosão o alcançou um segundo depois.

Ele imediatamente ergueu o braço e cobriu o rosto com a mão direita.
Quando a lança elétrica colidiu com ela, a explosão não só se espalhou violentamente por seu corpo, como também se dispersou em todas as direções, cobrindo a estrutura de aço da ponte com faíscas.

…Pelo menos, foi assim que pareceu.

  • Então me diz: por que diabos você não tem nem um arranhão?

As palavras dela soaram despreocupadas, mas ela encarava Kamijou com os dentes cerrados de frustração.

A corrente de alta voltagem que se espalhou ao redor dele era forte o bastante para derreter a estrutura metálica da ponte. Mas mesmo tendo atingido diretamente sua mão direita, ela não tinha sido arrancada, nem havia sinal de queimadura.

A mão direita de Kamijou havia dissipado os milhões de volts do ataque elétrico da garota.

  • Mas que porra de poder é esse, afinal? Isso com certeza não tá nos bancos de dados da Cidade Acadêmica. Se eu sou 1 em 320.857 de natural, então você é provavelmente o único 1 em 2.300.000 de desastre natural da cidade — resmungou a garota, ressentida.

Ele não conseguiu responder.

  • Se você sair por aí procurando briga com essa aberração, vou ter que aumentar um pouco a voltagem.

  • …É, fala a que sempre perde.

A resposta dela veio na forma de mais uma “Lança de Relâmpago”, avançando em velocidade supersônica.

Mas mais uma vez, no momento em que tocou a mão direita dele, a corrente se dispersou em todas as direções como se não fosse mais impactante do que um balão d’água.

Aquilo era o Imagine Breaker de Kamijou — a morte das ilusões.

Era piada de programa sensacionalista de TV… mas naquela cidade, habilidades sobrenaturais eram derivadas por fórmulas matemáticas.
Se alguém usasse esse tipo de “poder anormal”, mesmo que tivesse a forma de um milagre divino, ele podia cancelar sem deixar vestígios.

Desde que fosse esse poder anormal, até mesmo a habilidade sobrenatural daquela garota — sua Railgun — não fazia diferença.

No entanto, o Imagine Breaker de Touma Kamijou só funcionava contra poderes “anormais” como esses.
Simplificando, ele podia bloquear uma bola de fogo de um esper, mas não bloqueava os estilhaços de concreto que essa bola explodisse no impacto. Além disso, o efeito se estendia apenas do pulso direito até a ponta dos dedos.
Se a bola de fogo o atingisse em qualquer outro lugar, estaria em chamas.

Eu pensei…
Pensei que…
Pensei que ia morrer mesmo! Aahh!

Ele reuniu toda a sua força de vontade para manter a pose calma e composta.
Mesmo que sua mão direita pudesse anular completamente uma Lança de Relâmpago viajando na velocidade da luz, o fato de ela ter acertado justo a mão direita foi pura sorte.

Seu coração batia feito louco. Teve que reunir cada fragmento de energia pra compor um sorriso maduro.

  • Cara, que azar… que falta de sorte, hein?

Com uma única frase de lamento ao mundo, ele deu fim ao dia 19 de julho.

  • Você realmente é azarado.

 

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