Eu voltei antes de todo mundo, então fui até a casa da Noa para buscar a Fina. A capital ainda estava agitada, mas logo os mensageiros de cavalo veloz chegariam, e tudo se acalmaria.
Quando cheguei à casa, a Surilina me levou até a sala de estar. Depois de esperar um pouco, ouvi passos correndo e a porta foi escancarada.
– Yuna! – disse Fina.
– Yuna! – disse Noa.
– Vocês estão bem?
– Yuna, você está bem?! – perguntou Fina.
– Estou bem. Todos os monstros foram derrotados.
Eu não disse que eu os derrotei.
– Yuna, o que aconteceu com meu pai?
– O Cliff está vindo com os aventureiros, então ele está bem.
– Sério?
O sorriso da Noa voltou. Ótimo. Crianças devem estar sempre sorrindo.
– Noa, obrigada por cuidar da Fina.
– Ora essa. Somos amigas, então é claro que eu cuidaria dela.
– Lady Noa… – Fina parecia feliz.
Alguns dias depois de eu derrotar os monstros, os aventureiros e soldados voltaram. O Cliff também voltou são e salvo e se reuniu com sua família.
Alguém que se identificou como membro da guilda veio me chamar para comparecer ao salão da guilda.
– Seja bem-vinda, Yuna.
Fui deixada sozinha numa sala com a Sanya.
– Então, o que você precisava comigo?
– Bem, temos um pequeno problema – disse ela, desviando os olhos. – Sua Majestade, o rei, quer te conhecer… ou melhor, quer conhecer o aventureiro de Rank A inventado.
– O rei quer…? Posso recusar?
– Ele disse que precisa absolutamente te conhecer. Chegou a pedir o seu nome. Claro, eu não contei nada, Yuna.
A equação “Rei = Dor de cabeça” apareceu completa na minha mente.
– Sanya, obrigada pela ajuda. Estou prestes a sair em viagem, então por favor não me procure mais.
Foi uma desculpa bem clichê, mas era tudo que eu tinha.
– Espere um segundo. Se você fugir, vai acabar sendo colocada na lista de procurados. Eu vou expor o seu nome.
– Você está me ameaçando?
– Só estou dizendo que devíamos encontrar um meio-termo. Você não quer que descubram que foi você quem derrotou todos os monstros, certo?
– Certo.
– Nesse caso, que tal contar somente para Sua Majestade? Vou pedir para ele manter segredo.
– Você realmente pode fazer isso?
Era o rei do país. Será mesmo que ele aceitaria encontrar uma aventureira desconhecida sem guardas?
– Ele é o tipo de pessoa que cumpre suas promessas. Se conseguirmos esse acordo, é possível.
– E se ele não prometer?
– Então vamos te exaltar como uma heroína, te condecorar, talvez até te fazer apertar a mão do rei durante a celebração de aniversário.
– Hm… quão longe eu teria que viajar até outro país? Seria ótimo ir para um lugar fora da influência deste reino.
Eu tinha os portões de transporte, então ainda poderia ver a Fina e os outros. Viver em outro lugar não seria um problema.
– Por favor, Yuna. Me dê um dia. Se eu conseguir a promessa do rei, você aceitaria se encontrar com ele? Se for fugir da capital, não custa esperar até lá, certo?
Eu realmente poderia fugir se tentassem me tornar uma heroína. Concordei relutantemente com a proposta da Sanya e deixei a guilda.
Enquanto passava o tempo tranquilamente com a Fina depois de voltar da guilda, a Sanya apareceu na Casa da Ursa à noite.
– Desculpe vir tão tarde.
– Sem problemas. Conseguiu falar com o rei?
– Sim. Sua Majestade quer te ver… sozinho.
– O rei realmente vai estar sozinho? Ele é o rei. A pessoa mais importante do país. E se eu fosse uma assassina?
– Eu também estarei com você. Além disso, Sua Majestade quer agradecer pessoalmente a quem derrotou os monstros, custe o que custar. Foi por isso que ele aceitou todos os meus pedidos.
Ela tinha ido tão longe por mim. Não podia recusar.
– Bem, quando eu devo encontrá-lo?
– Amanhã de manhã. Eu vou te buscar.
Depois, perguntei algo muito importante:
– Posso ir vestida assim? Se não puder, vou deixar a capital ainda hoje.
Se eu não estivesse com a roupa de urso e algo acontecesse, eu não conseguiria fugir.
– Está tudo bem. Eu perguntei a Sua Majestade se ele ainda gostaria de te ver, mesmo vestida de forma estranha. Ele disse que não importava.
Com tudo isso, só me restava concordar.
Na manhã seguinte, eu ainda estava com receio. Rezei para que a Sanya não aparecesse, mas minhas preces não foram atendidas e ela veio me buscar. Pedi para a Fina cuidar da casa e fui com a Sanya até o castelo. E, como o destino é cruel, acabei encontrando alguém que eu realmente não queria ver naquele momento.
– Oh, Yuna. E se não é a Sanya. O que traz vocês duas a um lugar como este?
Era a Ellelaura. Não era estranho encontrá-la no castelo, mas o timing foi horrível.
– Eu e a Yuna temos um pequeno assunto a tratar – respondeu a Sanya com calma.
– Oh? Para onde estão indo? Posso ir junto?
– Sobre isso…
– Não se preocupem comigo. Estou livre agora.
– Mas e o seu trabalho?
– Meus subordinados são excelentes. Vai dar tudo certo.
A Sanya ficou visivelmente desconfortável. Eu também.
Ao ver nossos rostos, Ellelaura deu uma risada.
– Haha, desculpem. Não fiquem tão nervosas. Ouvi sobre os monstros pelo Cliff. Não contei a ninguém, então está tudo bem. Estão indo ver Sua Majestade, não é?
Mesmo depois de eu ter pedido para não contar… Cliff abriu a boca. Ele era muito fofoqueiro.
– Isso foi maldoso, Ellelaura.
– A Yuna não quis me contar, afinal.
– Suponho que era inevitável. Você trabalha no castelo, afinal.
– Por que teve que proibir o Cliff de falar sobre isso? Foi um trabalhão fazer ele ceder.
Então o Cliff realmente tentou manter o segredo. Não podia ficar brava com ele. Mas como ela conseguiu fazê-lo abrir o bico?
– Já que você sabe de tudo, vai mesmo vir conosco, Ellelaura? – perguntou a Sanya.
– Claro. Ouvi tudo do Cliff, então talvez eu possa ajudar.
Agora éramos um trio indo ao encontro do rei.
Guardas reais estavam de prontidão na entrada. Alguém já devia tê-los avisado, pois quando viram a Sanya, nos deixaram entrar. Pareciam querer dizer algo ao me ver, mas não falaram nada.
– Fico feliz que tenha vindo…
Havia um homem bonito, aparentando ter por volta de quarenta anos, dentro da sala. Esse era o rei? Ele não usava uma coroa, como nos mangás. Quando o rei me olhou, engoliu em seco.
– Você também está aqui, Ellelaura?
– A aventureira que derrotou os monstros é minha conhecida – disse ela, olhando para mim. O rei também me olhou.
– Bem, você disse que traria uma aventureira de Rank A. O que essa garota vestida de forma estranha está fazendo aqui?
– Sua Majestade, peço desculpas. Não havia aventureira de Rank A. Essa garota sozinha derrotou a horda de monstros. Achei que ninguém acreditaria, então menti dizendo que era uma aventureira de Rank A – explicou Sanya, se desculpando.
– Não tenho tempo para piadas. Quando a aventureira chegar?
O rei estava irritado. E com razão. Suas expectativas tinham sido completamente viradas de cabeça para baixo.
– Por isso mesmo não queria que se encontrasse com ela. Mas é a verdade. Eu garanto isso como mestra da guilda.
– Eu também posso garantir – disse Ellelaura.
– Você também?
O rei olhou para Ellelaura, depois para mim.
– Foi você mesmo quem derrotou os monstros? Tire esse capuz estranho e fale.
Eu estava tão nervosa por estar diante do rei que nem tinha tirado o capuz. Retirei-o e o cumprimentei.
– Eu sou Yuna, a aventureira.
– Mas você ainda é uma criança. Realmente derrotou mais de dez mil monstros sozinha?
Eu era pequena, mas já tinha quinze anos.
– Sanya, como confirmou que os monstros foram derrotados? Verificou isso, certo?
– Conferimos os goblins e os orcs.
Será que ela contou sobre as cabeças dos orcs?
– E os lobos, wyverns e o wyrm?
Sanya se espantou ao ouvir sobre o wyrm. Só ela, Cliff e eu sabíamos sobre isso.
– Como soube do wyrm, Sua Majestade?
– Ouvi do próprio responsável por tudo.
– E quem seria?
– Isso não importa agora. O que aconteceu com eles?
– Os monstros derrotados estão na bolsa sem fundo dela.
– Uma bolsa sem fundo?
– Das melhores.
– Essa garota tem algo assim?
– É verdade. O Cliff confirmou.
– É difícil acreditar, mas a ameaça desapareceu. Não há razão para mentirem para mim.
O rei pensou um pouco, então se aproximou de mim lentamente. “Com licença, está chegando muito perto”, pensei. Mas não podia recuar, certo? Fiquei imóvel enquanto o rei me encarava.
– Agradeço a você. Obrigado por salvar os cidadãos, aventureiros e soldados da capital.
Ele não abaixou a cabeça, mas me agradeceu mesmo assim.
– Não foi nada. Só aconteceu de eu derrotar os monstros.
– Só aconteceu?
Droga. Falei sem pensar.
– Haha, é verdade. A Yuna derrotou os monstros por causa da minha filha – disse Ellelaura, me abraçando com um sorriso.
– Ela os derrotou porque uma garotinha estava prestes a chorar – disse como se fosse uma piada.
O rei parecia confuso.
– Ora, mas isso não é motivo suficiente? Ela lutou pelo que queria proteger.
– Entendo… Mas se o autor de tudo isso ouvisse isso, nem descansaria em paz.
– O quê? – disseram Sanya e eu em uníssono.
– Sim. Suponho que posso contar a vocês, já que se envolveram nisso.
O rei explicou que o ataque dos monstros era plano de um único homem em busca de vingança. Então existia mesmo uma magia que manipulava monstros? No jogo, dava para domesticar monstros, mas isso era diferente. Nunca ouvi falar de uma magia que drenasse a vida do usuário. Bem, o jogo nunca foi tão longe assim. Talvez fosse uma forma proibida de magia nesse mundo.
Enquanto eu refletia sobre isso, houve uma agitação do lado de fora da porta.
– Não pode, Lady Flora. Há convidados aqui.
A porta se abriu um pouco, e pude ouvir vozes.
– Não! Quero ver o urso!
– Por favor, Lady Flora.
– Nãããão!
– O que está acontecendo?
– Bem, Lady Flora quer ver o urso.
Assim que o guarda real abriu a porta para explicar, uma garotinha usou sua pequena estatura para escapar e entrou na sala.
– Urso!
Lady Flora me abraçou.
– Eu consegui te ver!
Ela esfregou o rosto feliz na minha barriga.
– Oh? Você conhece a Flora?
– Quando veio comigo ao castelo, ela conheceu Lady Flora – explicou Ellelaura.
– Não me diga que aquele livro de figuras com ursos foi ela?
– Você viu? A Yuna desenhou. Ficou bom, não foi?
– Não sei como descrever… os desenhos eram encantadores. Quando perguntei quem desenhou, a Flora só dizia que foi um urso. Agora entendo.
O rei olhou para mim de novo. Sim, eu sou um urso. E daí?
– Urso, brinca comigo!
– Hm, o que acha?
Olhei para os outros.
– Nossa conversa terminou. Não me importo. Talvez entre em contato depois, então me passe suas informações.
– Nesse caso, eu posso ser a intermediária – disse Ellelaura.
– Então também falarei com o Cliff. Digam que entrarei em contato depois.
Pedi desculpas mentalmente ao Cliff. Parecia que tudo estava terminando sem problemas. Olhei para Lady Flora, ainda agarrada a mim. Então ouvi um barulhinho vindo de sua barriguinha.
– Lady Flora, está com fome?
– Uhum.
Ainda faltavam algumas horas para o almoço. Eu tinha pudim no Armazenamento da Ursa. Dar um pouco para ela não faria mal… Mas será que eu podia dar comida à princesa?
– Posso oferecer algo para ela comer?
Achei que receberia um não, mas quis perguntar.
– Pode sim.
“É comida, sabia?” pensei. Podia ser perigoso. Como ele pôde autorizar assim?
– Só para confirmar, o senhor tem certeza? E se estiver envenenado?
– O quê, vai envenená-la?
– Não pretendo. Achei que a realeza seria mais cautelosa.
– Ellelaura e Sanya confiam em você. Não preciso me preocupar.
Bom, se ele disse, então tá.
– Então, Lady Flora. Vamos para o seu quarto?
– Sim!
Segurei sua pequena mão com minha luva de urso.
– Pode deixar ela comer aqui. Assim não haverá suspeitas.
O rei nos impediu de sair. Faz sentido, mas eu não queria tirar o pudim na frente dele. Mesmo assim, não podia recuar agora. E ele poderia desconfiar de mim. Fiz Lady Flora sentar no sofá e tirei um pudim e uma colher do Armazenamento da Ursa.
– Lady Flora, pode comer isso.
– O que é isso?
– É uma sobremesa fria, doce e deliciosa.
Ela pegou a colher e levou à boca. Na mesma hora, um sorriso se abriu em seu rosto. Ela foi comendo colherada após colherada, se deliciando.
– Está gostoso?
– Uhum.
O sorriso dela era adorável. Tive vontade de acariciar sua cabeça. No fim, acabei acariciando mesmo a cabeça da princesa. Ninguém me repreendeu.
– É tão bom assim?
Parece que despertei a curiosidade do rei.
– Yuna, eu também queria comer mais – Ellelaura olhava para mim com desejo.
– Você já provou, Ellelaura? – perguntou Sanya, mas seus olhos estavam no pudim.
– Sim. Ela me deu antes. É doce, frio e delicioso.
Todos alternavam os olhares entre mim e o pudim.
– Hm, vocês querem?
– Sim, eu aceito.
– Obrigada, Yuna.
– Posso também?
Acabei tirando mais três pudins. Sobrou cinco. Talvez eu precisasse voltar para Crimonia buscar ovos para fazer mais?
– O que é isso?
– Mmm, que delícia.
– Oh céus, é muito bom.
Os três saborearam felizes, como Lady Flora. Eu só queria que todos ficassem felizes. Então senti um olhar sobre mim. Lady Flora olhava para mim, depois para seu copinho vazio.
– Esse é o último, tá? Se comer demais, não vai conseguir almoçar.
– Uhum!
Depois de avisar, tirei outro pudim.
– Será que vendem isso na cidade?
– Também não conhecia – disse Ellelaura.
– Claro que não. A Yuna inventou esse doce – disse Ellelaura por mim. Mas eu não o inventei. Só trouxe do meu mundo.
– É mesmo? Está ótimo.
– Uma delícia.
– Será que nossos chefs conseguiriam fazer, se soubessem a receita?
– Conseguiriam.
Mas eu não queria ensinar.
– Não pode. A Yuna está ajudando os órfãos a abrirem uma loja para vender essa comida.
– Como assim?
Ellelaura explicou que eu cuidava do orfanato e que as crianças estavam criando kokekkos para produzir os ovos do pudim. Disse que eu estava ajudando os que quisessem aprender a cozinhar a abrirem uma loja.
– Como sabe tanto?
– O Cliff me contou. Assim que chegou, falou tanto de você que me contou tudo.
Acho que precisarei conversar com o Cliff sobre espalhar minhas informações…
– Nesse caso, não pedirei a receita. Mas minha filha ficaria muito feliz se você trouxesse pudim de vez em quando. Pode ser?
Acho que tudo bem. Eu tinha o portão de transporte, podia vir a qualquer momento.
– Ellelaura, providencie para que a Yuna possa entrar no castelo quando quiser.
– Sim, entendido.
Colocaram uma autorização de entrada no castelo no meu cartão da guilda para que eu pudesse entregar pudins. Sério mesmo que isso estava acontecendo?