Kuma Kuma Kuma Bear Volume 3 – Capitulo 68

A Ursa Negocia

Acordei algumas horas após o nascer do sol. Dormi um pouco além da conta, mas não havia necessidade de pressa. Comi meu café da manhã tranquilamente e, ao sair, vi um rosto conhecido.

– Cliff?

– Sabia que essa casa de urso era sua.

– O que você está fazendo aqui?

– Essa deveria ser minha pergunta. Estou a caminho da capital, obviamente.

Cinco pessoas escoltavam Cliff. Lembrava de já ter visto essas pessoas antes na residência dele. Todos estavam montados a cavalo, sem carruagem. Fazer Noa viajar assim teria sido difícil para ela. Talvez por isso ele tenha me confiado sua guarda, enviando-a antes.

– Eu vim te buscar – falei. – Mas já que nos encontramos, estava prestes a voltar para a capital.

– Veio me buscar?

– Um exército de monstros apareceu por aqui. Como Noa estava preocupada com você, vim ao seu encontro.

– E quando diz que não precisa mais vir me buscar… o que quer dizer com isso?

– …

Se eu respondesse, provavelmente daria trabalho depois, então optei por ficar em silêncio.

– Yuna, responda minha pergunta – Cliff insistiu.

Se espalhasse que eu derrotei dez mil monstros sozinha, isso certamente causaria um rebuliço. Minha vida tranquila e pacífica estaria em perigo. O que eu deveria fazer?

– Bem, você derrotou a víbora negra, então provavelmente seria capaz de lidar com um exército de monstros também.

Pelo visto, Cliff já tinha decidido por conta própria que eu era a responsável por derrotar os monstros. Imaginei a expressão que ele faria se soubesse quantos eram. Se eu não negasse agora, teria problemas quando chegássemos à capital e ele descobrisse a quantidade.

Devia ter voltado para casa em vez de passar a noite ali. Queria poder dizer isso para mim mesma ontem. Mas não dava para voltar no tempo, então precisava fazer algo agora.

– Cliff, você é alguém de posição elevada, certo? Mesmo que fizesse algo terrível, poderia encobrir, não?

– O que você pensa que eu sou? Não seria capaz de fazer algo assim.

– Então não pode?! Mas você é um aristocrata, não é?

– Não sei o que pensa que aristocratas fazem, mas não faço esse tipo de coisa.

– …

Bom, então isso não serviria. Achei que um aristocrata conseguiria abafar um crime ou dois.

– Ou seja, você quer que eu encubra algo? – perguntou, como se não quisesse saber.

Dei um leve aceno com a cabeça.

Cliff suspirou.

– Fale.

Olhei para os guardas de Cliff. Ele percebeu e suspirou de novo.

– Vocês, fiquem aqui e descansem. Yuna, podemos entrar?

Parece que ele estava disposto a me ouvir. Concordei e o conduzi para dentro.

– Fiquei surpreso com o exterior, mas o interior é ainda mais impressionante – ele comentou. – Quero fazer perguntas sobre esta casa depois, mas vamos ao que interessa agora.

Preparei um suco gelado e comecei a contar sobre os monstros. Falei sobre a aparição do exército, sobre os aventureiros e cavaleiros da capital que estavam se movendo para derrotá-los, sobre como Noa parecia prestes a chorar de preocupação com ele, e sobre como fui procurá-lo. Contei que, no caminho, encontrei o exército e derrotei-os sozinha. Falei dos dez mil monstros, dos wyverns, e até do wyrm. E que queria esquecer que tudo aquilo tinha acontecido.

Cliff escutou tudo com a mão na cabeça, tamborilando os dedos na mesa.

– Sua história me causa grande preocupação. Mas também fico grato. Obrigado.

Cliff abaixou a cabeça. Uau. Segundo os mangás e romances que li, nobres se curvarem a plebeus era algo raro.

– Fiz isso por Noa, então não se preocupe.

– Nesse caso, devo agradecer à Noa. Suponho que você queira que essa história não se espalhe.

– Não quero chamar atenção.

– Por quê? Você seria uma heroína. Ganhará dinheiro, fama…

– Não estou interessada. Quero viver uma vida pacífica e agradável. Por isso quero fingir que nada disso aconteceu.

– Dito isso, derrotar dez mil monstros, wyverns e até um wyrm gigante… É difícil de acreditar.

– Quer ver?

– Deixe meus subordinados investigarem a floresta primeiro. Por enquanto, só tenho sua palavra.

Cliff saiu e deu ordens para seus guardas. Eles se afastaram, e ele voltou.

– Bem, me mostre os monstros que derrotou.

Quando os guardas sumiram de vista, tirei todos os wyverns. O rosto de Cliff se contorceu de choque. Depois, tirei o corpo do wyrm, e o choque virou puro terror.

E ainda não tinha terminado. Comecei a tirar os corpos dos orcs.

– Já chega. Não precisa mostrar mais nada.

– Mas ainda tem os lobos.

– Não, já é mais que suficiente. Por favor, guarde tudo.

Justo. Comecei a guardar os monstros. Ao ver o wyrm de novo, realmente era nojento. Não gostava de insetos. Não tocava em um desde o jardim de infância, e não estava feliz de começar agora.

Quando terminei de guardar os corpos, olhei para Cliff, que segurava a testa.

– Queria poder acreditar que isso é uma piada – ele disse.

– Então, se ficarmos quietos…

– Segundo você, aventureiros e cavaleiros estão vindo. Certamente haverá um alvoroço ao encontrarem os monstros mortos.

– Ninguém viu nada. Se todos ficarem de bico calado, ninguém saberá que fui eu.

– Você… – Cliff parecia exasperado.

Será que disse algo tão absurdo? Não era como se esconder isso fosse prejudicar alguém. Os monstros foram derrotados, o perigo passou.

– Isso precisa ser relatado à mestra da guilda – ele suspirou. – Vamos decidir o resto depois que ouvirmos o relatório dos que enviei à floresta.

Pouco tempo depois, os guardas voltaram. Após ouvir o relatório deles, Cliff levou a mão à testa de novo. Mas isso não era culpa minha, certo?

Depois de pensar bastante, ele decidiu falar pessoalmente com a mestra da guilda, que provavelmente já estava a caminho. Será que Sanya manteria segredo? E se não mantivesse?

Acompanhei Cliff até a capital. Como precisava acompanhar o ritmo dos cavalos, a viagem foi lenta.

Levamos meio dia para interceptar a mestra da guilda e seu grupo, bem quando faziam uma pausa. Recolhi Kumayuru para não surpreendê-los, e segui atrás de Cliff. Claro, ainda chamava atenção por causa das roupas.

– Ora, se não é Yuna, a fujona – disse Sanya.

Será que achavam que eu tinha fugido? Bem, era difícil passar despercebida com essa roupa.

– Sanya. Já faz um ano? – disse Cliff.

– Cliff. Há quanto tempo. Sua esposa tem sido de grande ajuda.

– Ela está bem?

– E por que você está com a Yuna?

– Yuna veio a pedido da minha filha, para me escoltar – foi a história que combinamos.

– Mesmo que isso seja verdade, ela ainda assim abandonou a missão coletiva da guilda.

– Não diga isso. Yuna veio por minha causa. Proteger um nobre não tem a mesma importância que enfrentar monstros?

– Muito bem. Mas ela terá que participar da eliminação dos monstros a partir de agora. Não podemos deixar alguém que derrotou lobos tigre e uma víbora negra voltar sem ajudar.

– Sobre isso… – disse Cliff, hesitante. – Podemos conversar a sós?

Levamos Sanya para um local mais afastado. Cliff confirmou que não havia ninguém por perto antes de continuar.

– Sobre a situação… algo complicado aconteceu. Por isso, queria sua ajuda como mestra da guilda.

– O que foi?

– Yuna derrotou os dez mil monstros, incluindo os wyverns, sozinha.

– …O quê?

– E também um wyrm gigante.

– Um… wyrm gigante?

– Se quiser prova, ela tem o corpo. Eu vi. Mas não recomendo pedir para ela tirar aqui.

– Por quê? Por que não simplesmente mostrar?

– Queremos manter isso em segredo. Apesar da roupa, ela quer viver uma vida tranquila.

– Você está brincando?

– Sobre o quê? Sobre os monstros ou sobre a vida tranquila vestida assim?

– Os dois, claro.

– De qualquer forma, viemos consultar você antes de decidir o próximo passo.

– Yuna, me diga tudo – Sanya me olhou com seriedade.

E eu contei tudo.

– Em outras palavras, a floresta está cheia de cadáveres de goblins e cabeças de orcs?

– Não sei quantos são, mas deixei lá porque não precisava deles.

– Meu subordinado confirmou os corpos. Estão lá mesmo.

Sanya segurou a cabeça, como Cliff antes.

– Não sei se fico feliz ou irritada. Isso é realmente problemático.

– Por que não ficar feliz?

– Yuna, tem certeza disso? Você seria uma heroína. Teria fama, glória, dinheiro, tudo.

– Não quero.

– Mas isso é o sonho de qualquer aventureiro… – Sanya suspirou. – Tá bom. Vamos ver isso como algo bom. Derrotamos os monstros sem ninguém morrer. O problema é quem os derrotou.

– O que vai fazer?

– Vamos dizer que um aventureiro de rank A veio e os derrotou. Também diremos que levou todos os materiais, menos os goblins.

– E quem seria esse aventureiro rank A?

– Pode ser qualquer um. Um desconhecido.

– E o wyrm?

– Vamos simplesmente omitir.

Estava decidido.

Sanya reuniu todos os aventureiros e explicou:

– Atenção, todos. Recebemos um relatório de que os dez mil monstros e os wyverns foram derrotados por um aventureiro de rank A.

– Um aventureiro rank A?

– Eles realmente existem?

– Quem foi, mestra?

– Isso é confidencial. Como sabem, aventureiros de rank A são espíritos livres.

Todos aceitaram com facilidade. Será que aventureiros de rank A eram mesmo assim?

– Segundo o relatório, restaram apenas os corpos dos goblins com seus núcleos mágicos e as cabeças dos orcs. Por isso, vamos nos dividir: um grupo volta para a capital, o outro cuida dos goblins.

– Os monstros foram realmente eliminados?

– Foram. Por que eu mentiria? A recompensa será os núcleos dos goblins. Mas depois do abate, precisarão lidar com os corpos. Quem voltar à capital não receberá recompensa. Fiquem à vontade para escolher.

Depois disso, a maioria dos aventureiros de rank alto voltou. Fazia sentido, já que os núcleos interessavam mais aos de rank baixo. Como Sanya precisava informar o rei, ela também retornou, deixando o pessoal da guilda para cuidar dos goblins.

O plano de transferir os créditos para um aventureiro rank A anônimo funcionou perfeitamente.

– Cliff, obrigada.

– Não se preocupe. Eu é que devo agradecer.

– Bem, vou voltar antes de vocês.

– Não vai conosco?

– Posso voltar em poucas horas com meus ursos.

– Entendo. Impressionante.

Então, invoquei Kumayuru e retornei à capital real, deixando para trás o tapete de cadáveres que eu mesma havia criado.

 

Comentar

Options

not work with dark mode
Reset