Como eu precisava relatar a conclusão da missão de escoltar a Noa, decidi ir à guilda dos aventureiros no dia seguinte. Pedi para a Fina sair com a Noa novamente, só por precaução — sempre havia algum problema por causa da minha aparência, e se algo acontecesse com a Fina, eu nunca conseguiria me explicar para a Tiermina.
Caminhei sozinha até a guilda dos aventureiros, sendo alvo dos olhares curiosos da população pelo caminho. Ela ficava exatamente onde a guilda de comércio tinha dito — seguindo pela grande avenida perto da nova casa de urso. A guilda da capital era maior que a de Crimonia. Uma guilda maior significava mais aventureiros, e mais aventureiros significavam mais encrenqueiros. Só no caminho até a entrada, percebi alguns tipos perigosos vindo junto comigo. Me senti como um gatinho entrando no cercado de feras selvagens.
Por favor, nada de piadinhas tipo “Mas você é um urso selvagem, né?” Obrigada.
Abaixei meu capuz de urso e entrei sem olhar nos olhos de ninguém. No momento em que entrei, os sussurros começaram.
– Uma ursinha fofa acabou de entrar?
– É mesmo, tem um urso ali.
– Com certeza é um urso.
– Que roupa fofa.
– Ataque de urso! Alguém mate ela! Bwahaha!
– Ah, qualé. Não se fala isso nem de brincadeira. Vai assustar a garota.
– Então deixa que eu mato ela?
– Se você chegar perto, o urso foge.
Clanc.
Ouvi uma cadeira caindo no fundo.
– Aquela maldita ursa… – murmurou um homem lá atrás. – É melhor não mexer com ela.
– O que foi? Por que está tremendo?
– Não se envolva com aquela ali.
– Que cara esquisito…
– Tanto faz, alguém vai lá falar com ela.
– Nesse caso, eu vou dar um aviso.
Um gigante de quase dois metros se aproximou de mim, com um sorriso no rosto.
– Ei, garotinha urso. O que veio fazer nesse lugar com essa roupinha fofa? Esse não é o tipo de lugar pra uma garota como você.
– Só vim relatar a conclusão da minha missão.
– Está relatando uma missão? Você é aventureira?
– Sim, sou.
Risos surgiram ao meu redor.
– Espera aí. Desde quando crianças podem virar aventureiras por aqui?
Eu conhecia esse tipo de cena. Sempre tem gente assim por todo lado; simplesmente o ignorei. Quando fui passar por ele, o homem estendeu a mão para o meu capuz. Peguei o braço dele com minha luva de urso e o arremessei direto para fora da guilda.
Os aventureiros ao redor ficaram confusos e impressionados.
– O que foi isso?
– Ela não jogou ele pra fora com uma só mão?
– Deve ser imaginação sua.
Enquanto ainda comentavam, o homem voltou entrando na guilda.
– O que acha que está fazendo? – ele gritou, vindo até mim e esfregando a cabeça. Então tentou me agarrar de novo, e eu o joguei para fora pela segunda vez. Aquilo com certeza contava como legítima defesa, certo?
A guilda ficou em silêncio.
– O que você fez?
– Ele tentou me atacar, então só me defendi.
Três homens me cercaram.
– Vocês estão meio no meu caminho.
– Acha que vamos deixar barato o que fez com nosso camarada, ursinha?
– Ele foi quem me atacou do nada.
– Tá de brincadeira com a gente?!
Os homens vieram para cima, e eu fiz o mesmo que antes: agarrei os braços deles e joguei todos para fora. A guilda ficou ainda mais quieta.
Saí, e os homens que eu tinha lançado estavam tentando se levantar.
– Sua pirralha…
Será que essa palhaçada ia acontecer toda vez que eu visitasse uma nova guilda? Ainda bem que não trouxe a Fina.
Os homens se levantaram com expressão de ódio, mas não estavam sacando armas — pelo menos isso. Como estavam se aproximando, invoquei um feitiço de vento que explodiu debaixo deles como um gêiser. Eles voaram pelos ares num instante. Subiram até parecerem grãos de arroz lá de baixo. E então começaram a ficar maiores de novo.
– Gyaaaaaaaaah!
– Alguém me ajudaaaa!
– Vamos morreeeeeeeer!
– …
Antes que tocassem o chão, criei uma almofada de vento. Os homens foram amparados e, no instante seguinte, os lancei de novo. Repeti o processo algumas vezes e, quando pararam de gritar, os desci devagar até o chão.
– Não me ataquem de novo, tá bom?
Mas eles nem estavam ouvindo. Pareciam desmaiados. Pelo menos agora não iam mais mexer comigo.
Voltei para dentro. Os aventureiros ainda me observavam na entrada. Entre eles, uma mulher se aproximou de mim.
– Ora ora, quando saí para ver a confusão, encontro uma adorável ursinha.
A mulher sorriu ao ver os aventureiros desmaiados. Uma elfa? Seu cabelo era longo e verde-claro, e dava para ver as orelhas pontudas por entre os fios. Era linda e de pele clara.
– Que magia impressionante você usou.
– Foram eles que atacaram. Eu só me defendi. Tenho certeza de que os outros aventureiros ali podem confirmar.
– É mesmo?
A elfa olhou para o grupo mais próximo. Eles assentiram, ainda que vagamente.
– Acho que você exagerou um pouco.
Eu também achava, mas gente assim só aprende se levar um choque de realidade.
– Bem, acho que eles aprenderam a lição. E o resto de vocês, melhor não causarem problemas também, entenderam? – disse a elfa, olhando para os aventureiros ao redor.
Quem era ela? Pela reação dos outros, dava para ver que ela não era apenas mais uma aventureira. Ela me analisava de um jeito que eu não estava acostumada.
– Então é você. A tal ursa dos rumores.
– Hã… quem é você?
– Sou Sanya, a mestra da guilda dos aventureiros aqui na capital real.
Na hora entendi por que todos prestavam tanta atenção ao que ela dizia.
– Ouvi falar de você pelo Gran — uma garota vestida de urso que derrotou sozinha um grupo de bandidos. Achei que ele estivesse exagerando, mas parece que era verdade.
Sanya olhou para os aventureiros caídos. Um deles recobrou a consciência, mas não parecia querer brigar de novo — ainda mais com a mestre da guilda ali. Se voltasse a atacar, eu mandava ele dar outro passeio aéreo.
– Por isso que eu disse pra não mexerem com a ursa – murmurou um aventureiro ao fundo.
– Você conhecia essa ursa?
– Sim. Sei o quanto ela é assustadora e poderosa. Por isso que eu avisei.
Deve ter mais aventureiros de Crimonia por aqui. E pelo jeito que ele se encolheu, talvez fosse um que eu já tivesse vencido.
– Bem, o que veio fazer aqui hoje?
– Vim relatar uma missão.
Sanya me levou até um balcão de atendimento e sentou-se comigo.
– Então, posso ver o comprovante de conclusão da missão e seu cartão da guilda?
Entreguei meu cartão e o documento assinado pela Ellelaura.
– Uma missão de escolta da família Fochrosé, certo? Aqui está o pagamento, e este é o valor pela escolta do Gran.
– Pela escolta do Gran?
– Gran passou por aqui outro dia. Pediu que eu cuidasse do pagamento e do registro da missão quando você aparecesse.
Ah, então foi por isso que o nome do Gran tinha surgido antes — ele tinha feito tudo certinho para transformar nosso encontro casual em uma missão oficial. Agradeci mentalmente e aceitei o dinheiro.
– Vou registrar ambas as missões de escolta, da família Fahrengram e da família Fochrosé, como missões de Rank D.
O contador de missões de Rank D no meu cartão aumentou em dois. Pelo que entendi, quanto mais missões completas registradas, melhor era a impressão que os outros tinham de você ao aceitar novas escoltas. Como essa parte dos dados era gravada no cartão, só dava para ver usando o painel de cristal.
– O mestre da guilda de Crimonia me deu uma carta – disse eu.
Peguei a carta que ele me dera para evitar confusão — mas a confusão veio antes que eu pudesse usá-la.
– Deve ser do Ralock.
Então era esse o nome dele? Sanya leu a carta rapidamente.
– Parece que já é tarde demais para muitas dessas recomendações.
Também pensei o mesmo.
– Avise os funcionários da guilda quem você é, mas continue tomando cuidado. Dito isso, seu histórico de combate é impressionante. Mal consigo acreditar na parte sobre os lobos-tigre, quanto mais sobre ter derrotado uma víbora negra sozinha.
Ela olhava os dados do cartão da guilda que apareciam no painel de cristal. Já fazia um tempo que eu me perguntava como aquilo tudo funcionava. Mas, bem, era o tipo de coisa que se espera num mundo de fantasia.
– Considerando tudo isso, é difícil acreditar que você esteja no Rank D.
Sanya me devolveu o cartão da guilda. Com isso, finalizei o relatório da missão e entreguei a carta do mestre de Crimonia. Meu negócio ali estava encerrado. Depois, daria uma olhada nos pedidos disponíveis e talvez continuasse meu passeio pela capital.
– Não vai aceitar nenhuma missão?
– Acabei de chegar à capital. Fica para a próxima.
– Que pena.
– Quero passear pela cidade. Estava pensando se tem alguma loja por aqui que venda coisas incomuns?
– Incomuns tipo?
– Ingredientes, ferramentas, qualquer coisa diferente.
– A guilda de comércio saberia mais, mas no momento o distrito oeste é o melhor. Tem todos os tipos de loja lá.
– Distrito oeste, então. Vou dar uma passada lá da próxima vez.
Agradeci e saí da guilda dos aventureiros. Dessa vez, os aventureiros não disseram nada enquanto me observavam partir.