No dia em que parti com a comitiva, primeiro passei na casa da Tiermina para buscar a Fina. De lá, seguimos para a casa do lorde feudal para nos encontrarmos com a Noa.
– Quem você vai escoltar, Yuna? – perguntou Fina.
– Ah? Esqueci de mencionar? É a filha do lorde da cidade.
O rosto da Fina empalideceu.
– O lorde… então isso significa que estamos indo para a casa do Lorde Fochrosé?
Assenti com a cabeça.
– Eu vou voltar pra casa – ela disse, tentando fugir, mas eu segurei sua mão com minha luva de urso.
– Vai ficar tudo bem – falei. – Não é como se fossem te devorar. Além disso, eu vou escoltar a filha dele – uma garota chamada Noa.
Pela reação da Fina, percebi que a divisão entre nobreza e plebeus era bem grande neste mundo. Mas Noa parecia ser uma garota gentil, mesmo sendo nobre.
– Você quer dizer Lady Noir? Mas alguém como eu não pode ir com você…
Estranho. Eu a chamava pelo apelido, mas a Fina a chamava de Noir. Então, ninguém usava esse apelido normalmente?
– De qualquer forma, vamos indo – falei. – Se disserem que você não pode vir, a gente vai sozinhas depois.
Fina veio a contragosto, mas eu não soltei sua mão. Quando chegamos à mansão, Noa já estava nos esperando no portão, de mãos na cintura.
– Você está atrasada, Yuna! – disse ela, sem nem nos cumprimentar.
– Não estamos atrasadas. Quando você começou a esperar?
– Desde que acordei e tomei café, faz mais ou menos uma hora…
– Você que chegou cedo demais.
– Eu só não conseguia esperar, sabendo que ia viajar com os ursos – respondeu ela, envergonhada. Era até bonitinho.
– Bem, tenho um favor pra te pedir.
– O quê?
– Vou levar ela também. Tudo bem pra você? – apontei para Fina, que se encolheu.
– Quem é ela?
– Esta é a Fina, que salvou minha vida.
– I-isso não é verdade. Yuna, você foi quem me salvou!
– Ela disse que nunca foi à capital real, então pensei em levá-la. Queria pedir sua permissão e a do Cliff.
– Eu não me importo muito, mas não vou abrir mão do meu lugar no urso.
– Vocês vão andar juntas no mesmo urso – falei.
– Suponho que tudo bem… Mas eu vou na frente!
– Quero pedir permissão ao Cliff também, só por segurança. Posso vê-lo?
Noa entrou e voltou com Cliff, que consentiu imediatamente.
– Não me importo – disse ele.
– Tem certeza?
– É só mais uma pessoa. Além disso, ter uma garota da mesma idade que minha filha por perto não é nada mal.
Fina cumprimentou Cliff nervosamente:
– E-eu sou a Fina.
– Por favor, cuide bem da minha filha.
– S-sim, senhor.
– Não seja duro com ela – falei, colocando-me entre os dois.
– Está me fazendo parecer maldoso. Só estava cumprimentando – protestou Cliff. Acho que o fato dele ser nobre deixava a Fina nervosa.
Seguimos para os portões da cidade. Noa parecia empolgada, mas Fina era pura tensão.
– Ah, qual é o seu nome mesmo? – perguntou Noa.
– Fina.
– Eu sou Noir. Prazer em conhecê-la.
– Sim, senhora!
A introdução formal pareceu aliviar os nervos da Fina, e um sorriso voltou ao seu rosto. Assim que saímos da cidade, invoquei Kumayuru e Kumakyu. Noa correu e abraçou Kumayuru assim que ele apareceu.
– Kumayuru, que bom te ver! – Depois abraçou Kumakyu do mesmo jeito. – Já disse isso, mas eu vou na frente!
– Sim, Lady Noir.
– Bem, é um prazer, Fina – Noa estendeu a mão.
– O prazer é meu também.
Montadas em Kumayuru, as duas não conseguiam conter os sorrisos. Acho que elas vão se dar bem, pensei, enquanto subia em Kumakyu.
– Muito bem, vamos para a capital!
Como não tínhamos pressa, seguimos em um ritmo tranquilo.
– Kumayuru, conto com você pra nos levar até a capital, tá? – Noa acariciou Kumayuru com delicadeza.
– Lady Noir, você já conhecia Kumayuru e Kumakyu?
– Yuna os levou à mansão e me deixou andar neles uma vez. Até tirei uma soneca com eles. Estava tão animada com essa viagem que mal consegui dormir. Como você conheceu a Yuna, Fina?
– Fina me ajudou quando eu estava perdida na floresta, quando cheguei aqui – interrompi.
– Isso aconteceu – disse Fina –, mas foi a Yuna que me salvou de um ataque de lobo. Eu só a guiei até a cidade.
– Depois, virei aventureira, mas como não sabia esfolar monstros, pedi para a Fina fazer isso por mim.
– Sim, e sou muito grata pelo dinheiro que você me paga.
– Fina, você sabe esfolar monstros? – Noa ficou surpresa.
– Sim, já faço isso há bastante tempo na guilda.
– Há muito tempo? Quantos anos você tem?
– Dez.
– Isso te faz da mesma idade que eu. Não consigo acreditar que você esfola monstros com essa idade… – Noa olhou para Fina com admiração. Então, até nesse mundo, isso era incomum. Fina devia ser mesmo especial.
As duas começaram a conversar animadamente. Afinal, tinham a mesma idade, independentemente da classe social. Enquanto escutava a conversa, seguimos pela estrada tranquilamente. Nenhum monstro ou ladrão apareceu, e logo o dia deu lugar à noite.
Procurei um bom lugar para acampar. Havia um bosque próximo à estrada que parecia promissor, então fomos até lá.
– Yuna – disse Noa – você não vai dizer que vamos acampar aqui fora, vai?
– Vamos, sim. Você achou que íamos ficar numa estalagem?
– Uhm, sim. Sempre que havia vilas ou cidades próximas, ficávamos em estalagens. Quando não havia, dormíamos na carruagem…
Claro. Ela era mesmo filha de nobre.
– Não se preocupe. Você terá um lugar para dormir.
– …?
Pedi que se afastassem um pouco e tirei a Casa Urso do Armazém Urso. A casa tinha o formato de dois ursos sentados: uma mãe e seu filhote. A ursa maior era a casa, e o filhote era um anexo onde Fina poderia fazer o abate. A porta principal ficava na pata esquerda da ursa mãe.
Fiz a casa numa escala menor para não chamar tanto a atenção, mas mesmo assim era chamativa. Também redesenhei o interior desde a última vez que Fina e eu caçamos lobos-tigre.
– Yuna?! Q-que… – Noa gritou, surpresa.
– É a Casa Urso. Essa é para viagens, então é um pouco menor.
– Eu não perguntei o que é. Queria saber de onde veio. Bem, acho que sei, mas isso cabe mesmo nessa bolsa sem fundo?
– Não sei quais os limites da minha bolsa sem fundo – respondi. A casa maior cabia. E a víbora negra também.
– Você não está surpresa, Fina? – Noa perguntou. Ela parecia incrédula.
– Não. Já vi ela tirar uma Casa Urso antes.
– Ah, isso é segredo, então não conte a ninguém – avisei Noa. – Bem, vamos entrar? Vocês devem estar cansadas.
Desinvoquei Kumayuru e Kumakyu, e levei as garotas para dentro.
– Ah, Noa, por favor, tire os sapatos aqui.
Tinha chinelos prontos para Noa e Fina na entrada. Além dali, havia uma sala de estar conjugada com sala de jantar, iluminada por pedras de mana e espaçosa o bastante para dez pessoas.
– Que tipo de casa é essa?! – exclamou Noa.
– Escolha uma cadeira e sente-se. Vou preparar o jantar.
Fui até a cozinha, untei uma frigideira, peguei carne moída e ovos para fazer hambúrguer. Enquanto grelhava, preparei uma salada. Crianças precisam de vegetais. Quando os hambúrgueres ficaram prontos, servi a sopa quente da estalagem em tigelas e coloquei pão fresco num prato. Depois, servi suco de frutas.
– Yuna, o que é isso? – perguntou Noa.
– É o jantar. Se quiser algo como os pratos da sua mansão, não consigo fazer isso.
– Não, nem pensei nisso. Na verdade, está cheirando ainda melhor do que as refeições de casa.
– É mesmo? Que bom. Comam enquanto está quente.
Noa e Fina começaram a comer.
– O que é essa coisa deliciosa?
– É hambúrguer.
– Ham-bur-guer?
– É. Não comem isso neste país?
– Não é que não comemos, é só que nunca comi algo assim.
– Sério? Só moí carne de lobo, boi e porco e misturei tudo.
– Yuna, acha que posso fazer isso em casa? – perguntou Fina.
– Acho que sim, mas talvez o molho seja mais difícil. Também fica bom com nabo ralado.
– Me ensina a fazer da próxima vez? Quero que minha família prove!
– Claro.
– Eu também quero – disse Noa.
– Noa, você não precisa. Tem criados para cozinhar por você.
– É verdade, mas não gosto de ficar de fora.
– Podemos deixar isso pra quando voltarmos à cidade.
– Essa sopa está ótima também.
– A estalagem preparou pra mim.
– E o pão?
– Encontrei uma boa padaria, então fiz estoque.
Depois de um pouco de conversa, terminamos a refeição. A essa altura, Fina e Noa já conversavam com naturalidade.
– Agora vamos descansar um pouco, depois tomar banho. Vamos sair ao nascer do sol, então precisamos dormir cedo.
– Entendido.
– Vamos mesmo sair tão cedo assim?
As reações foram opostas: Fina sempre acordava cedo para trabalhar e fazer tarefas domésticas, enquanto Noa era uma nobre acostumada a manhãs tranquilas.
– É que não quero que ninguém veja a casa. Quero desmontar tudo antes que alguém acorde e comece a bisbilhotar.
– Entendi. Ah, você disse algo sobre banho? Ou ouvi errado?
– Não ouviu errado. Tem um banho, sim. Então relaxe antes de dormir. Fina, pode mostrar pra ela como funciona?
– Sinto que tudo o que eu achava ser senso comum está desmoronando – disse Noa, enquanto Fina a conduzia até o banheiro.
Enquanto isso, eu limpava a louça do jantar. Quando as duas voltaram, entreguei-lhes o secador para que secassem o cabelo, e fui tomar meu banho. Quando voltei, estavam me esperando.
– Ainda não foram dormir?
– Dormir onde?
Certo, esqueci de mostrar os quartos.
O primeiro andar tinha sala, cozinha, banheiro e banho. O segundo andar tinha três quartos pequenos. Um era meu, e os outros dois eram para convidados. Cada quarto tinha três camas, totalizando seis.
Mostrei os quartos para elas.
– O que acham? Querem dormir separadas?
– Pra mim, tanto faz. Você escolhe, Lady Noir.
– Quero conversar antes de dormir, então vamos ficar no mesmo quarto.
– Ok!
– Podem conversar, mas não fiquem acordadas até tarde – falei, indo para o meu quarto. Seria embaraçoso acordar atrasada depois de tanto insistir que dormissem cedo.