– Tô morta. M-O-R-T-A. Mortinha da silva.
– Tãããão cansaaaaada…
Nos jogamos nas cadeiras da loja, totalmente exaustos. Até as crianças, que normalmente eram cheias de energia, pareciam esgotadas.
– Nunca imaginei que teríamos tantos clientes assim – disse Morin, tomando chá com um sorriso forçado.
– Por que tinha tanta gente? – perguntou Karin, com o rosto afundado na mesa. – Crimonia não tem padaria, não?
– Tem. Mas sei lá quanto tempo vai durar agora que todo mundo provou os pães da Morin.
Quando elogiei o pão da Morin, Karin se animou.
– Sua pizza e pudim também foram um sucesso – acrescentei. – Já perdi a conta de quantas pizzas fizemos.
Não foi só o pão da Morin que sumiu das prateleiras – as pizzas, pudins e batatas fritas também.
– Mas desse jeito não dá – gemeu Morin. – Amanhã vamos virar pó.
Concordei. Os clientes estavam vindo em enxurradas e os ingredientes estavam acabando.
– Morin, como foi a cozinha?
– Preparamos o pão no dia anterior e assamos de manhã cedo. Se for pra aumentar a produção, queria mais alguns fornos. Assim daria pra assar vários pães de uma vez.
Mais fornos? Moleza.
– Assim também daria pra fazer as pizzas sob encomenda, e repor os pães populares conforme for necessário. Só conseguimos hoje porque as crianças ajudaram. Mas preparar tudo amanhã vai ser uma tortura se o movimento for o mesmo. Teríamos que deixar muita coisa adiantada, senão vai ser repeteco do caos de hoje. E sem pausa nenhuma, ninguém aguenta.
Verdade. Se ela prepara o pão no dia anterior, acorda cedo pra assar e já abre a loja logo em seguida, não sobra tempo pra descansar. E com o cansaço, a eficiência cai e os erros aumentam.
– E se a gente abrisse mais tarde? – sugeri. – A maioria dos clientes veio perto da hora do almoço. Se usarmos esse tempo da manhã pra preparar tudo e almoçar antes de abrir, já ajudaria muito. Hoje eu consegui alimentar as crianças, mas a Morin, a Karin e eu ficamos sem comer.
– Seria ótimo. Também queria dar um descanso pros órfãos – disse Morin, olhando para as crianças cochilando nas cadeiras. Elas estiveram tensas o dia todo e deviam estar exaustas.
– E quanto ao fechamento – continuei –, acho que devíamos estipular uma quantidade diária de ingredientes. Quando acabar, a gente fecha.
Morin estava fazendo mais pão sempre que vendíamos um. Desse jeito, não ia acabar nunca.
– Tem certeza?
– Eu não tô fazendo isso pra ficar rica. Desde que você consiga manter a padaria e as crianças tenham onde trabalhar, tá ótimo. E eu não vou sair no prejuízo. Se temos tanta demanda, é sinal de que tá dando certo.
– Sim – concordou Tiermina, que passou o dia todo verificando como estava a loja, até ajudando aqui e ali. – Estamos com um bom lucro. Mas ainda teremos gastos, então é bom guardar um pouco.
– Pode deixar, isso já está resolvido.
– Se eu não me preocupar, quem vai? – disse ela, cruzando os braços.
Ainda estamos no azul, Tiermina. Eu tenho o dinheiro do meu mundo original e também da caça de monstros. Enquanto não estivermos perdendo dinheiro, tá tudo certo. Mas deixei ela ganhar essa discussão.
– Além disso – ela continuou –, os ingredientes são limitados. Não dá pra criar ovos, queijos e batatas do nada. Se continuarmos nesse ritmo, vai acabar tudo. Por isso precisamos controlar bem o uso diário.
Hmm. Se tivermos uma quantidade fixa por dia, também facilita na hora de reabastecer.
– Verdade. Fora a farinha, a maioria dos ingredientes é difícil de conseguir. E também não dá pra diminuir mais os ovos que vendemos pra guilda.
Já tínhamos reduzido a venda de ovos na guilda pra ter o suficiente pra loja, então o pudim já estava no limite de produção. Precisávamos tratar as batatas e os pudins como tesouros até conseguirmos mais suprimentos.
– Ah, e outra coisa: a cada seis dias de trabalho, um dia de folga.
– Folga?
As pessoas desse mundo não costumam tirar folgas. Nunca vi uma estalagem ou restaurante fechando por descanso. Eles tiram pequenos momentos de pausa durante o dia. Mas hoje, ninguém parou um segundo. Depois de atender, ainda tem que limpar, preparar ingredientes, etc.
Mais importante: as crianças precisam descansar.
– Um dia sem abrir a loja. Vocês podem fazer compras, dormir, o que quiserem. Um dia pra recarregar as energias.
– Tem certeza? Não vamos vender nada nesse dia.
– Eu preferia dar folgas em revezamento, mas não temos gente suficiente pra isso.
As crianças trabalham neste mundo, mas ainda são crianças. Não são escravas. Eu me sentiria mal não deixando elas descansarem. As crianças vêm antes do lucro.
– Vamos falar do salão agora. Algum problema? – perguntei à Karin. Ela estava responsável pelo atendimento.
– Alguns clientes tentaram levar os ursos das mesas pra casa.
Eu vi alguns puxando as estátuas. Pena, gente – estão grudadas!
– Teve cliente querendo comprar também – disse Karin.
– Não estão à venda, então vou colocar uma placa avisando. Mais alguma coisa?
– Teve gente reclamando da fila do balcão.
– Amanhã vou montar outro balcão. Muita gente queria só pudim, então podemos colocar a geladeira perto do balcão pra agilizar.
Discutimos todos os pontos a melhorar. Tocar um negócio era mais difícil do que eu pensava. Se eu tivesse alguma experiência de vendas no meu mundo, talvez não estivesse tão exausta. Mas uma garota de quinze anos que vivia reclusa só sabe o que viu em mangás, TV ou novelas. Nem estudei pra isso! Meus planos tinham várias falhas. Mas, graças ao pessoal, conseguimos passar o dia.
Tiermina saiu para corrigir os horários nos panfletos… mas talvez fosse tarde demais. A maioria nem sabia que tinha horário fixo. Se vierem no mesmo horário de hoje, tudo bem. Mas e se vierem mais cedo? E se der confusão?
Todos os funcionários eram mulheres e crianças. E se acontecesse algo? E se eu não conseguisse lidar?
Decidi ir até a guilda dos aventureiros.
– Yuna? O que faz aqui a essa hora? – perguntou Helen, saindo do prédio.
– Tá indo pra casa?
– Sim, meu turno acabou. O que foi?
– Vim registrar uma missão.
– Missão?
– É… mais pra prevenir problemas.
Expliquei rapidamente: muitos clientes, mudança de horário e a ideia de contratar um aventureiro para proteger as crianças.
– Nossa, desculpa. Acho que exagerei na divulgação.
– Não foi culpa sua. Só fiz suposições erradas.
– E a missão?
– Quero alguém pra vigiar a loja e cuidar das crianças.
– Hm. Bom, com tantos órfãos trabalhando, é mesmo necessário.
– Quero alguém por sete dias. Conhece algum aventureiro que aceitaria?
– Depende da recompensa. Dinheiro move os aventureiros, afinal.
– Dinheiro, é? Nem sei quanto oferecer. Mas se for pela segurança das crianças, não me importo de pagar bem.
– Depende da patente. Se for só pra lidar com gente comum, aventureiros de baixo nível já servem. Mas se der confusão com um de patente alta…
Bem… Deboranay era de patente alta e foi um problema, então não dava pra descartar.
– Yuna, Helen, o que estão fazendo aqui? – Rulina apareceu, sorrindo. Junto com ela… o grupo de Deboranay. Claro.
– O que você tá fazendo com esse grupo? – pensei.
– Não pense besteiras, Yuna – disse Rulina. Creepy. Será que ela lê mentes?
– Besteiras? Eu só tava me perguntando por que alguém tão bonita como você tá com esses brutamontes.
– Não sou membro oficial – ela riu. – É só temporário. Olha esse grupo, só tem cabeçudo.
– Devia entrar oficialmente no grupo – disse um deles.
– Nem pensar. Se for pra me juntar a alguém, seria com uma garota fofa como a Yuna.
Rulina me abraçou. Desde que eu carreguei ela estilo princesa, ficou toda derretida pela roupa de urso.
– Então, o que houve?
– Tô querendo contratar um guarda pra minha loja.
– A nova loja? Tá todo mundo comentando.
– Coisas boas, espero. Então, quero alguém pra afastar encrenqueiros com jeitinho.
– A gente pode fazer isso.
– Sério? Ajudaria muito.
– É.
– Rulina, para de decidir por nós – reclamou alguém atrás.
– Deboranay?
– Tô fora.
– Se ele não for, eu também não – disse Lanz. Gil ficou em silêncio.
– Sério? – Rulina arqueou a sobrancelha. – Então tô saindo do grupo.
– O quê?!
– Se vocês só me usam e não ajudam, por que eu ficaria?
– Uma pessoa basta, Yuna?
– Eu ajudo também – disse Gil.
– Mesmo?
– Dizem que a comida lá é boa. Me alimente e eu ajudo.
– Gil, vai nos trair?
– Ela já nos ajudou. E concordo com Rulina.
– Obrigada, Gil – disse Rulina.
Deboranay e Gil se encararam. Deboranay desviou o olhar primeiro.
– Dane-se! Vamos, Lanz.
– Tô indo, chefe.
Foram embora, deixando Rulina e Gil.
– Tem certeza, Rulina?
– Tenho. Eu ia sair faz tempo, mas eles ficaram choramingando.
– Se quiser parar de ser aventureira, me avisa. Tô recrutando gente boa.
– Vou pensar. Mas me chama.
– E a missão? Tá livre por sete dias?
– Sim. Só me pague com comida.
– Pode esquecer. Vai ganhar o pagamento e a comida.
– Por favor, registrem isso direito na guilda – disse Helen, até então calada.
Justo. Registrei a missão e eles aceitaram. O pagamento: refeições da Bear’s Lounge e algumas moedas de prata.
Voltei pra casa ursa. Mesmo cuidando só dos bastidores (vida de eremita), o dia foi puxado. Entrei no banho de urso e deixei o cansaço escorrer. Aaaaah… Que delícia. Saí, vesti meu pijama de urso branco e fui direto pra cama.