Fui até a guilda dos aventureiros hoje para matar o tempo. Cheguei usando meu pijama de urso, como de costume, mas não ouvi ninguém zombando de mim. Lá dentro, fui ver o quadro de missões, na esperança de encontrar algo interessante.
Pensei que não me importaria em enfrentar outra Víbora Negra agora que sabia como derrotá-la, enquanto olhava as missões de rank D e C. Em que rank uma Víbora Negra seria classificada, afinal? Se fosse acima de B-rank, obviamente não estaria nos quadros que eu estava consultando. Dei uma olhada rápida no quadro de B-rank, só por precaução, mas não encontrei nenhuma missão com monstros novos ou que parecesse interessante.
Justo quando eu estava pensando em procurar outra coisa, dei um passo sem olhar para onde ia.
– Ah!
Derrubei a garota à minha frente, que caiu sentada no chão. Parecíamos ter a mesma idade, embora ela fosse mais alta. Por que ela acabou caindo, então? Suponho que devo agradecer à minha roupa de urso por isso.
– Desculpa. Você está bem?
Estendi a mão com minha luva de urso para ajudá-la. Quando ela olhou para mim, deu uma olhada ao redor da sala.
– Um urso?
Um pouco hesitante, ela segurou minha “pata”. Assim que ficou de pé, me agradeceu.
– M-muito obrigada.
– Você não se machucou, né?
– Não, estou bem.
Justo quando eu estava prestes a ir embora, um garoto correu até ela.
– Horn, você está bem?
– Sim, estou bem. Só esbarrei nesse urso.
O garoto me olhou de novo.
– Um urso?!
Só percebeu agora?!
– Desculpa por isso. Eu estava meio distraída.
– Não, tudo bem. Eu também não estava olhando por onde andava, já que estava procurando todo mundo – disse Horn, fazendo uma reverência.
– Acho que a culpa é dos dois lados.
– Sim, parece que sim – respondeu Horn, sorrindo.
O garoto continuava me encarando.
– O quê?
Eu sabia o que ele queria dizer, então perguntei logo, já que ele não parava de olhar. Ele provavelmente não fazia ideia de que sua vida dependia do que diria em seguida. Brincadeiras à parte, ele começou a falar.
– Você é aquele urso dos boatos?
Bem, se alguém falava de um urso nesta cidade, com certeza estavam falando de mim.
– Talvez eu seja.
Se houvesse outro urso por aí, eu adoraria ver. Bom, o único tipo que me vinha à mente eram caras mais velhos com gostos estranhos.
Depois de me observar um pouco, o garoto falou de novo.
– Ah, fala sério, estavam só zoando a gente! – e estalou a língua.
– Ah, desculpa – disse Horn. – É que nos disseram que havia uma aventureira assustadora que se veste de urso nesta cidade, e que não devíamos chegar perto dela.
– Além disso, estavam tentando nos provocar dizendo que esse urso derrotou um lobotigre, um rei goblin e uma víbora negra sozinha.
Bem, isso era verdade.
– Então você é mesmo o urso sobre quem estão falando?
O fedelho deu um peteleco na minha cabeça, e comecei a contar de trás pra frente. Quando olhei em volta, os outros aventureiros estavam nos observando, boquiabertos como peixes. Ué, será que acham que eu vou fazer alguma coisa? Bem, eu ia mesmo. Dois garotos correram até nós, como se tivessem percebido que eu estava prestes a explodir.
– Horn, Shin, o que acham que estão fazendo?
– Sério mesmo. Estávamos procurando vocês dois.
Se eu fosse descrevê-los com uma palavra: um era hiperativo e o outro, briguento.
– Esse urso esbarrou na Horn.
Baixa esse dedo, pensei. É falta de educação apontar para os outros. Onde você aprendeu seus modos?
– Um urso? Você quer dizer aquele dos boatos?
– Ah, o que a recepcionista comentou…
– Eu ouvi falar dele pelos aventureiros mais experientes…
– Mas disseram que o urso era aterrorizante.
– Que piada. Quando disseram que era uma mulher vestida de urso, imaginei uma mulher gigante.
O fedelho deu outro peteleco na minha cabeça. Já posso ficar com raiva, né? Pensei. Os aventureiros próximos estavam se afastando. Os funcionários da guilda não podiam fugir, e dava pra ver nos rostos deles que sabiam o que vinha aí. Eu já estava prestes a segurar a mão do pirralho…
– Yuna! Espere, por favor! – gritou Helen.
– A guilda não deveria ser neutra em disputas entre aventureiros?
– Também é nosso dever garantir que você não se envolva em confusão.
É verdade, acho que tinham prometido isso. Só queria que ela tivesse vindo me ajudar um pouco antes.
– Hum, o que está acontecendo? – perguntou a garota, sem entender o que Helen dizia.
Eu adoraria pendurar esses moleques de cabeça pra baixo num penhasco, mas respirei fundo.
– Nenhum de vocês escutou o que eu disse outro dia? – Helen repreendeu os garotos.
– Sobre o urso?
– Exato. Eu disse que há uma garota que se veste de urso e que, sob nenhuma circunstância, vocês devem zombar dela ou abordá-la por diversão.
– Você quer dizer esse urso aqui?
Ele deu outro peteleco na minha cabeça.
– Pare com isso. Se não quiser morrer, peça desculpas agora e vá trabalhar – Helen segurou a mão do garoto e apontou para a porta.
– Tudo bem, a gente vai. Vamos embora, pessoal.
– Tá bom. Me desculpe mesmo, senhorita urso.
Horn e os garotos saíram da guilda.
– Senhorita Yuna, peço desculpas. Achei que havia explicado tudo direitinho, mas parece que não entenderam.
Eu estava meio desconfiada do que ela tinha contado. Acho que pensaram que ela estava só inventando coisas quando me viram com esse pijama.
– Espera, qual foi a explicação que você deu?
– Que há uma aventureira que se veste como um urso e que eles nunca devem se aproximar dela para brincar.
– Só isso?
– Não, também conto sobre os monstros que você derrotou, para saberem o quão forte você é e não te provocarem. Também falo sobre os aventureiros de rank D e E que tentaram te atacar e acabaram virando sombras do que eram.
Como assim “sombras do que eram”? Isso era tipo um aviso de viagem sobre um urso perigoso à solta?
– Quando percebo que mesmo assim não acreditam, peço para aventureiros experientes conversarem com eles.
Olhei ao redor da guilda, e todos desviaram o olhar ao mesmo tempo. O que será que contaram pra esses garotos? Eu nem sabia que tudo isso estava acontecendo.
– Essas foram instruções diretas do próprio Mestre da Guilda. Tomamos essas medidas para que você não se envolvesse em incidentes desnecessários.
Queria que parassem de me descrever como uma fera que ataca qualquer um. Agora, se alguém começasse uma briga comigo…
– Eu me certifiquei de explicar tudo para aqueles garotos também – disse Helen, suspirando.
Bom, depois de todo mundo falar que eu era um terror, claro que ao me verem só como uma garota de pijama, acharam que era piada. Mas isso não era motivo para ficar dando petelecos nos outros.
– Será que aqueles garotos vão ficar bem?
– Tem algo com que se preocupar?
– Um pouco. Eles são apenas novatos, mas pegaram uma missão de caçar lobos. Por isso estou um pouco preocupada.
– Qual o rank deles?
– Entraram outro dia, ainda são rank F. Mas aparentemente sabem lidar com lobos.
– Então devem ficar bem, não?
– Sim, mas desta vez vão um pouco mais longe, então estou meio apreensiva.
– Mas são só lobos.
– Parece que uma grande alcateia foi vista perto de uma vila vizinha, então abriram uma missão. A recompensa não é muita, mas os garotos decidiram aceitar.
Entendi a preocupação dela, mas se eles já tinham vencido lobos antes, deviam conseguir. Nos jogos também era assim. Enfrentar vários inimigos de uma vez era o segredo da eficiência.
– Então, senhorita Yuna, veio ver as missões?
– Não tinha nenhuma interessante, então estou indo pra casa.
– Missões interessantes… normalmente não é assim que as pessoas escolhem.
Helen parecia espantada.
No dia seguinte, eu ainda estava entediada. As missões não mudavam muito de um dia pro outro. Como o clima estava bom, pensei em dar um passeio com Kumayuru e Kumakyu.
– Fina, vamos dar uma volta!
Foi a primeira coisa que disse quando ela chegou para trabalhar.
– Mas por que essa vontade toda, de repente?
– Estou com tempo livre, então pensei em passear com os ursos. Queria que você viesse junto, Fina.
– Mas e meu trabalho?
– Você ganhou o dia de folga!
– Aaah…
– Pode levar carne de lobo de volta com você.
Isso selou o acordo.
– Então, para onde vamos, Yuna?
– Pensei em visitar uma vila onde já estive antes, mas vamos comprar alguns souvenirs antes.
Levei Fina para fazer compras antes de sairmos da cidade. Íamos para a vila onde resolvi o problema dos javalis. O bebê da Marie já devia ter nascido, então queria levar um presente de chá de bebê.
– Moço, vou levar todas essas frutas, por favor.
Comprei todas as frutas oran do vendedor.
– Uhm, tem certeza de que quer todas, garota urso?
– Se levar tudo for causar problemas, me dê só o quanto puder vender.
– Não me importo muito, mas o que vai fazer com tudo isso?
– Vai ser só um presentinho.
Como chegamos a um acordo, guardei a caixa de orans no armazenamento do urso. Depois disso, fui a algumas lojas, comprei coisas que pareciam difíceis de encontrar na vila e então partimos da cidade.