– VOU SAIR UM POUCO.
– Senhorita Yuna!
– Vou pegar os ursos e ir até lá buscar o Brandaugh e os outros rapidinho.
– É perigoso demais! Lobotigres são diferentes do guardião da floresta. Eles são ferozes!
O chefe estava genuinamente preocupado comigo.
– É isso mesmo. O guardião só comia nossas plantações quando o deixávamos em paz, mas os lobotigres realmente atacam as pessoas!
– Yuna, é perigoso.
Os moradores estavam sinceramente preocupados comigo.
– Mesmo que custe um pouco, vamos postar uma missão na guilda de aventureiros. Então, por favor, não se preocupe.
Será que eles não percebiam que já tinham uma aventureira bem na frente deles?
– Mas, chefe, o que devemos fazer? Quem vai até a cidade? Não podemos ficar esperando um mercador aparecer como da última vez.
– E precisamos resolver isso logo.
– Não deveríamos nos preocupar com o Brandaugh antes de qualquer outra coisa?
– Vou repetir quantas vezes for necessário: não vamos salvar o Brandaugh. Só podemos torcer para que ele consiga voltar para a vila.
O clima ficou sombrio com as palavras do chefe. Ninguém queria lutar contra os lobotigres. Eles sabiam que morreriam se tentassem. Minha única opção era ficar calada?
Subi no Kumayuru.
– Senhorita Yuna? – disse o chefe.
– Só vou dar uma voltinha – respondi, porque convencer ele ia dar muito trabalho.
Meus olhos encontraram os de Marie.
– Com o Kumayuru e o Kumakyu comigo, não devo ter problemas para uma caminhada.
Esperava que os ursos deixassem a Marie mais tranquila.
– Mas…
– Só estou dando um passeio, então não precisa se preocupar assim comigo.
– Yuna… – disse Marie, olhando para o chão.
– Senhorita Yuna – falou o chefe em seu lugar –, por favor, faça o que puder.
Ele se curvou profundamente.
– Não sei do que está falando. Só estou indo dar uma caminhada.
– Senhorita Yuna…
– Tá bom, vou dar uma voltinha. Desculpa, Fina, mas você espera aqui.
– Yuna – Fina correu até mim, visivelmente preocupada.
– Vai ficar tudo bem. Já derrotei eles antes.
– Tá, mas tome cuidado.
Montei no Kumayuru a todo vapor. Kumakyu correu ao lado.
Minha detecção ursina revelou muitos lobos, mas nenhum sinal do Brandaugh. Os lobotigres estavam se aproximando. Precisava me apressar antes que tudo desandasse.
– Kumayuru, Kumakyu, vamos!
Avançamos pela floresta como um trovão. Detectei cinco pessoas por perto. Será que eram os novatos e o Brandaugh? Se eu conseguia sentir, ainda estavam vivos.
Parece que cheguei a tempo.
– Corre, Horn!
– Shin! Um lobo foi praquele lado.
– Onde está o lobotigre?!
– Brandaugh! Isso é perigoso.
– Vocês vão na frente!
– Mas—
– Conheço essa floresta melhor que ninguém! Vou dar um jeito. Na verdade, vocês só iriam atrapalhar!
Eu ouvia as vozes deles. Parecia que estavam em apuros. Kumayuru correu ainda mais rápido. Consegui avistá-los; se eu podia vê-los, então eles também podiam me ver.
– Um urso!
Um dos garotos apontou a espada para o Kumayuru.
– Idiota, olha melhor!
– É a Senhorita Urso!
Disparei uma flecha de gelo, que perfurou a testa do lobo que os perseguia. A segunda rajada acertou os outros à espreita na vegetação.
– Uau.
Percebi que eram o grupo com o garoto que tinha batido na minha cabeça ontem. Sorte deles que não era hora pra ficar guardando rancor.
– Kumakyu! Cobre eles!
Deixei o Kumakyu cuidando deles e corri até Brandaugh. Ele estava no topo de uma formação rochosa alta, com o arco preparado. Segui o olhar dele e vi um lobotigre ziguezagueando pela floresta. Ele estava mantendo o bicho sob fogo constante.
Sinceramente, o que esse homem estava pensando? Aquela história de “os bonzinhos sempre se ferram” parecia verdade. Fazer aquilo era pedir pra virar comida de lobo.
O lobotigre desviava das flechas, indo pra esquerda e direita enquanto se aproximava de Brandaugh.
– Kumayuru!
Kumayuru acelerou e se lançou contra o lobotigre no instante em que ele ia saltar. O corpo do urso atingiu o lobo com força, aguentando o impacto tranquilamente; eu nem me mexi no lugar.
– Senhorita!
– Quanto tempo, Brandaugh – disse, levantando a luva de urso como cumprimento.
– Por que está aqui?
– Vim dar uma volta – respondi, com os olhos ainda no lobotigre. Ele se levantou devagar e olhou na minha direção.
– Senhorita, fuja!
Não tinha como eu fugir com meu alvo bem ali, não importava o que ele dissesse — era meu couro precioso, afinal. Desci do Kumayuru e encarei o lobotigre.
– Senhorita – disse Brandaugh – é perigoso.
– Perigoso pra quem? Você acabou de ter um bebê, devia evitar se meter em encrenca – respondi, ainda focada no lobo enquanto o repreendia.
Não dava pra ficar batendo papo. O lobotigre rosnava, rangendo os dentes e me encarando. Se eu não tivesse meu equipamento de urso, estaria tremendo agora. Avancei e disparei uma lâmina de vento. O bicho percebeu a mudança no ar e rolou para o lado com uma agilidade nada lupina.
Mas, mesmo assim, desviar não era agir por vontade própria. Era uma reação forçada. Fechei a distância que ele tinha criado, fortalei meu corpo e acertei um soco de urso bem na lateral dele. O corpo do lobotigre arrastou-se pelo chão.
Opa, pensei, será que bati forte demais? Mas então ele tentou se levantar. Uma flecha passou raspando minha cabeça e acertou direto no olho direito do lobo.
– Brandaugh?
– Achei que você não precisava de ajuda, mas vi uma brecha.
O lobotigre ficou de pé, a flecha ainda cravada no olho.
– Isso talvez tenha piorado as coisas.
A mão de Brandaugh tremia enquanto preparava o arco novamente. Eu também podia sentir a aura assassina emanando do lobo. Talvez fosse o equipamento de urso, ou minha experiência com jogos, ou só um sentimento de segurança, mas não sentia o pavor que Brandaugh parecia sentir.
– Vai ficar tudo bem.
O lobotigre e eu nos lançamos ao mesmo tempo.
Mesmo com um olho esmagado, ele desviou de todos os cortes de urso que disparei. Ainda assim, Brandaugh havia me dado um ponto cego para explorar. Desviei para a direita e disparei uma saraivada de balas d’água comprimida. O lobo gritou ao cair, mas logo se reergueu. Abriu a boca enorme, como se quisesse me apresentar todos os dentes. Aproveitei e disparei uma flecha de gelo direto pela garganta dele.
Quando achei que aquele olho remanescente ainda queria brigar, ele desabou de lado.
– Você matou?
Ele não se levantou.
– Parece que sim.
Brandaugh relaxou o arco.
– Senhorita, você me salvou. Obrigado.
– Já falei, eu só estava dando um passeio, então não se preocupe.
– Você é muito modesta, mesmo depois de salvar minha vida.
Brandaugh afagou minha cabeça por cima do capuz de urso, e ouvi barulho vindo dos arbustos.
– Brandaugh, você está bem?!
Os novatos tinham voltado.
– Tenho certeza de que disse pra vocês fugirem.
– Desculpa. Estávamos preocupados. Obrigado por nos distrair antes. Se não fosse por isso, a gente teria…
– Não se preocupem. Eu só estava por perto na hora certa. E conheço mais essa floresta do que vocês.
– Então foi você que derrotou o lobotigre, Brandaugh? – perguntou o novato, olhando para a flecha no olho do bicho.
– Que nada, essa moça aqui deu conta dele. Eu só aproveitei uma brecha.
Os novatos me encararam.
– Essa ursinha fez isso?
Um dos garotos murmurou, e a garota ao lado deu uma cotovelada nele.
– Ele quis dizer obrigado por tudo o que você fez.
– Muito obrigada. Você nos salvou.
Os quatro novatos se curvaram educadamente.
– E o que vamos fazer com ele? Eu queria levar de volta, mas… – disse Brandaugh, olhando o corpo do lobotigre.
– Eu levo.
Fui até o corpo e o guardei no armazenamento de urso.
– Incrível como sempre. Isso me incomodava há um tempo… o que é esse urso branco?
Pensando bem, era a primeira vez que Brandaugh via o Kumakyu.
Quando voltamos à vila, os homens estavam armados e a entrada fechada.
– Brandaugh! Você está a salvo! E os aventureiros também!
– É, ela nos ajudou.
– É mesmo? Que alívio. Você acabou de ter um filho, não assuste a Marie assim.
– Desculpa por isso.
– E o que aconteceu com o lobotigre? Está por perto? Se não estiver, estávamos pensando em ir até a guilda de aventureiros da cidade.
– Ah, o lobotigre morreu. Ela matou ele.
– …O quê?
Todos os homens reagiram do mesmo jeito.
– Agora vai ficar tudo bem.
– Isso é sério?
Ninguém parecia acreditar no Brandaugh.
– Mas o lobotigre é outro nível comparado ao guardião.
– Que vantagem teríamos em mentir sobre isso? Depois explico os detalhes. Por enquanto, quero ir até o chefe e fazer meu relatório.
Os homens abriram caminho. Brandaugh e eu fomos até a casa do chefe. Kumayuru e Kumakyu vinham atrás de nós, com os novatos no fim da fila.
– Brandaugh, você voltou?!
O chefe e Marie saíram da casa. Fina os acompanhava.
– Você está ferido?
– Estou bem.
Marie suspirou aliviada.
– E então, Brandaugh, o que aconteceu com o lobotigre? – perguntou o chefe.
– Ela matou ele.
– Isso é verdade?!
Achei que seria mais rápido mostrar do que explicar, então tirei o lobotigre do armazenamento de urso. Todos olharam incrédulos. Quando o chefe viu que estava morto, se curvou.
– Senhorita Yuna, muito obrigado. Tenho profunda gratidão por salvar o Brandaugh e ainda derrotar o lobotigre. Não é muito, mas por favor, aceite um pagamento em agradecimento.
– Eu só estava dando uma caminhada, encontrei o Brandaugh por acaso e, por coincidência, derrotei um lobotigre. Não vejo motivo pra aceitar dinheiro da vila.
– Mas… – o chefe parecia querer argumentar, mas não conseguia dizer nada.
– Além disso, com o bebê recém-nascido, não podia deixar a Marie virar viúva.
– Yuna… – Marie sorriu, enxugando as lágrimas. Nisso, Yuuk esticou os bracinhos o máximo que podia.
– Yuuk?
Yuuk estendia as mãos em direção ao corpo do lobotigre. Marie se ajoelhou ainda o segurando, e ele agarrou o pelo do lobo.
– Yuuk?
Quando Marie tentou soltar a mão dele, ele começou a chorar. Quando ela se desesperou e o soltou, ele segurou o pelo de novo.
– Yuna, desculpa. Vou fazer ele soltar agora.
Quando Marie tentou novamente, ele chorou ainda mais. Ela o balançava, mas ele não parava. Parecia que ele realmente gostava daquele pelo.
– Marie, aceite o lobotigre como presente de aniversário atrasado pro seu filho.
– Mas… não posso aceitar isso. Vou acalmar ele.
Mesmo assim, Yuuk não parava de chorar nos braços de Marie.
– Por que ele não para de chorar comigo?
Acabei rindo ao ver a Marie dando tudo de si pra acalmar o bebê.
– Ha ha. Marie, aceite. Chefe, o couro é para Yuuk, mas a vila pode usar a carne como quiser.
– Tem certeza?
Assenti.
Depois disso, a Fina cuidou de esfolar o lobotigre. Os moradores ficaram chocados com a agilidade dela. Dividimos o couro e a carne conforme combinado.
Enquanto eu observava o trabalho da Fina, os novatos se aproximaram.
– Hum, tem um minuto?
– O que foi?
– Muito obrigado.
Eles se curvaram.
– Se você não tivesse aparecido quando apareceu…
– A gente já era.
– E… desculpa por termos sido rudes na guilda de aventureiros.
– Hum, por favor perdoe o Shin. Ele não teve má intenção. Todo mundo dizia que você era assustadora e violenta, então quando te vimos tão fofa, achamos que era uma pegadinha.
– Não sabíamos que você era tão forte. Somos só novatos; achamos que era uma espécie de trote. Se você for como os boatos dizem, por favor, pode me punir. Os outros não têm culpa.
– Posso perguntar uma coisa? O que falaram de mim na guilda?
– Bem…
Eles disseram o mesmo que a Helen disse. Mas os outros aventureiros também falaram… Pelo visto, tinha gente pra eu dar lição quando voltasse pra Crimonia.
– Vai mesmo voltar agora? Já está tarde, então fique esta noite.
– Estaria tudo bem se eu estivesse sozinha, mas tenho essa aqui comigo – disse, colocando a mão na cabeça da Fina. – Viemos sem avisar os pais dela. Não quero que fiquem preocupados.
– Sim, tem razão. Não podemos segurá-las. Yuna, obrigada mais uma vez por tudo.
– Volto outra hora pra mais um passeio.
– Estarei esperando. Volte quando quiser, Fina.
– Sim, estou ansiosa – disse Fina, sorrindo.
Os novatos iam ficar mais um tempo para caçar lobos. Eu montei no Kumakyu, Fina no Kumayuru, e corremos de volta para Crimonia, mas o sol já havia se posto quando chegamos… e acabamos levando bronca da Tiermina.
Fina, desculpa por te envolver nisso.