Com as negociações com a guilda de comerciantes encerradas, o pessoal, em geral, recebeu tudo muito bem. Eu achei que haveria pelo menos uma reclamação, já que eles estavam, de repente, se tornando parte do território de Crimonia — mas nada. Talvez as mudanças tenham acontecido tão rápido que eles nem tenham conseguido processar direito ainda.
Com o trabalho do dia concluído, voltei para a pousada. Eu nem tinha feito muita coisa, mas ainda assim foi um dia cansativo.
— Você parece exausta, Yuna — disse Anz, trazendo um prato fumegante de comida. Cliff e Milaine deram uma passada na guilda dos aventureiros, então eu estava sozinha.
— Tive que lidar com algumas… chatices. — Estátuas de urso no túnel? Sério? — Falando nisso, você lembra da nossa promessa?
— A gente tinha uma promessa?
— Sobre você vir para Crimonia e virar cozinheira na minha loja. — Sem chance. A Anz tinha que lembrar disso — eu fiz um túnel inteiro. Tive que suportar a vergonha de fazer estátuas de urso pra ela.
— Hã? Você estava falando sério?
— Yep. Você pode fazer o que quiser com a loja, então quero que venha comigo. Eu te daria salário, claro.
— Mas… ok, onde eu moraria?
— Então você viria comigo se tivesse um lugar para morar?
— Mas… ok, se eu fosse, não conseguiria cozinhar nada sem acesso a peixe!
— Então… você viria comigo se conseguisse peixe em Crimonia?
— Mas… ok, mesmo assim, eu gostaria de poder visitar a mamãe e o papai!
— Então… você viria comigo se pudesse voltar pra casa sempre que precisasse? — Olhei para ela longamente.
— Você está mesmo, realmente séria?
— Tudo isso e muito mais, com garantia total e reembolso — ofereci.
— Ge… rran… tia…? — Ela franziu a testa. — O que você está falando?
Bem, achei fofo… mas, ok, mundo de fantasia. E bem no meio de toda essa confusão e gagueira, Deigha apareceu.
— Oi, Deigha. Eu estava por aqui e pensei em pedir a mão da Anz em casamento, por favorzinho?
Deigha piscou. — O-O q… sério? Anz, você… se você…
— Srta. Yuna, por favor pare de brincar! — Anz corou.
Deigha pigarreou, desviando o olhar para o chão. — Ah. Era só uma piada, então?
— Eu não estava realmente pedindo ela em casamento, mas estávamos conversando sobre a possibilidade de a Anz vir comigo para Crimonia.
— Crimonia?
— A Anz disse que quer abrir um negócio próprio algum dia. Eu arcaria com os custos, então pensei em ela montar a loja comigo.
— Sério? — Deigha olhou para Anz em busca de confirmação.
— A Yuna está brincando — disse Anz, insegura.
— Nada disso.
— Mas mesmo que você leve a Anz para lá, seria inútil se não puder conseguir frutos do mar.
— A Anz me disse a mesma coisa. Então pedi a ela que prometesse vir para Crimonia se eu garantisse peixe fresco, entregas de frutos do mar e que ela pudesse visitar o porto sempre que quisesse.
— Isso é verdade, Anz?
— É-é verdade — admitiu Anz — mas tudo isso é impossível.
— Uhum, mas e se não fosse? Você permitiria que a Anz fosse para Crimonia, Deigha?
— Se a Anz disser que quer ir com você — respondeu Deigha — então, claro, dou minha bênção. Para, ah… o negócio.
— Promete?
— Parem de decidir as coisas sem mim! — Anz gemeu, mas já era tarde demais: eu já tinha a aprovação de Deigha. Agora só precisava esperar o Cliff terminar o túnel e então Anz e eu partiríamos! (Para o negócio.)
Meus ursinhos me acordaram no dia seguinte. Como dormi abraçada com Kumakyu, meu urso estava de bom humor. Mandei os dois de volta e tomei café sozinha.
Cliff e Milaine já tinham saído. Eles disseram que eu estava livre hoje, então eu ia construir minha casa. Se tudo seguisse o que discutimos ontem, o desenvolvimento começaria logo na área entre o porto e o túnel… e todos iriam pegar os melhores terrenos.
Como já tinha permissão para construir onde quisesse, eu queria garantir um bom lugar antes que acabasse. Fui até o local que marquei ontem o mais rápido possível.
— Tenho quase certeza que era por ali…
Apenas cavalgando no Kumayuru, sem realmente precisar do mapa… só deixando ele aberto por precaução.
O belo oceano e a praia se estendiam diante de mim. O terreno tinha uma leve inclinação — se eu construísse a casa no topo, teria uma vista incrível. Ah, e poderia instalar alguns guarda-sóis na varanda ou no terraço para uma soneca confortável! Com certeza também teria uma vista incrível das estrelas à noite. Era o melhor lugar para apreciar o mar. Seria super chamativo, mas eu não tinha um lugar melhor em mente, e desta vez eu nem estava tentando esconder nada, então… por que não?
Planejei fazer essa casa ainda maior do que a de Crimonia; queria trazer os órfãos, a diretora, Liz e (claro) Morin e Karin para verem o mar. Seria tipo umas férias numa casa de praia! Podíamos nos hospedar na pousada do Deigha, mas Cliff e Milaine disseram que esse lugar ficaria lotado em breve. Eu até poderia fazer reservas, mas não queria que as crianças fossem um incômodo para o Deigha e o resto.
Certo, vamos lá: uma casa de urso praiana!
Então, uh.
Erm… quantos órfãos existiam mesmo? Tinha mais meninas, se bem me lembro.
Quando reconstruí o orfanato e verifiquei com a diretora, havia doze meninos e quinze meninas, totalizando vinte e sete crianças. Havia vinte e três quando visitei pela primeira vez, então o número aumentou em quatro.
Caramba, é muita criança. Deve ter sido difícil para a diretora e Liz cuidarem de vinte e sete crianças pequenas, e ainda para a Liz cuidar dos kokekko por cima disso. Conhecendo a diretora, ela certamente aceitaria qualquer novo órfão que aparecesse.
Que complicado. Talvez eu conversasse com ela sobre contratar mais funcionários. Se algo acontecesse com as duas, teríamos uma crise de órfãos — e esse não é um tipo bom de crise.
Bem, isso era problema para a Yuna do futuro. A Yuna do presente tinha uma casa de urso para apresentar como presente para os futuros órfãos — se eu apresentasse os órfãos (atuais ou futuros) ao Deigha, certamente ele não conseguiria acomodar todos.
Precisei nivelar o terreno antes de tudo; como planejara fazer uma casa grande, não tinha certeza quanta mana isso consumiria. Criei um vestiário instantâneo com magia da terra para trocar para o modo urso branco. Eu já tinha confirmado no túnel, afinal, que usar o traje de urso branco reduzia a fadiga mágica.
Assim que vesti o traje, comecei a derrubar as árvores na minha frente com magia de vento e arrancar as raízes com magia da terra. Cortei a madeira, guardei no armazenamento do urso e pronto: preparei uma clareira pequena, larga o suficiente para construir a casa de urso.
Talvez grande até demais. — Talvez eu tenha exagerado? — Eh, seria do tamanho certo se eu incluísse um depósito.
Depois disso, juntei terra para criar uma área elevada na clareira. Eu queria que a casa ficasse no topo de um morrinho. Usei magia da terra para a fundação e, com magia de vento, processei a madeira recolhida. Kumayuru e Kumakyu carregaram a madeira trabalhada para erguer os pilares, que eu fixei com magia da terra — digo, eu não sou carpinteira.
O modo como eu fazia casas era baseado, fundamentalmente, na minha imaginação. Primeiro, eu imaginava o exterior de urso, porque coisas de urso fortaleciam a magia. Mesmo que monstros ou ladrões atacassem, eu ficaria tranquila.
Minha casa de urso em Crimonia e minha casa de viagem eram ursos sentados, mas já que esta seria uma casa de quatro andares, eu as fiz como ursos em pé. Depois, fiz uma segunda casa de urso (anexa ao primeiro andar) para separar meninos e meninas. Duas casas de urso enormes lado a lado — meninos à esquerda, meninas à direita.
No primeiro andar, fiz o refeitório e a cozinha. Escadas levavam ao segundo andar, com grandes quartos para cada lado. Quarto das meninas à direita, dos meninos à esquerda. Assim, se dormissem no chão lado a lado, ainda teria espaço suficiente mesmo se chegassem mais crianças. De novo, conhecendo a diretora, ela definitivamente adotaria qualquer órfão que encontrasse.
Depois fiz o terceiro andar, que tinha meu quarto e alguns quartos de hóspedes — provavelmente para a diretora, Liz ou Tiermina. Além disso, alguns quartos extras caso chegassem mais órfãos.
Por fim, um pequeno quarto ao lado do meu: onde eu criaria um Portal Urso de Transporte.
Com o layout basicamente pronto, subi até o quarto andar para construir os banhos. Meninos à esquerda, meninas à direita, com janelas estrategicamente colocadas para que os banhistas pudessem apreciar a vista, se quisessem.
E quando isso ficou pronto, o próximo passo foi lidar com aquele barulhinho estranho e baixinho. Um… ronco?
Ah. Certo, minha barriga.
Digo, eu era a única aqui.
E era exatamente a hora certa do almoço. Eu podia voltar até a pousada do Deigha, mas isso parecia trabalhoso demais. Abri meu Armazenamento de Urso e devorei um pão feito pela Morin.
Ooo, macio e delicioso como se tivesse acabado de sair do forno. Perfeito para mastigar enquanto eu observava toda aquela paisagem linda do terceiro andar. O oceano, o penhasco, o pão gostoso, e… era a Milaine?
Que estranho. Pulei pela janela para conferir.
– Y-Yuna? Não me assuste assim! – Milaine parecia realmente chocada.
– Pois é. O que houve?
– Levei a equipe da guilda até o túnel. Depois, quando avistei a casa de urso, decidi vir dar uma olhada. – Milaine ergueu o olhar para a casa de urso. – É bem grande, não é?
– Estou pensando em trazer os órfãos comigo da próxima vez que vier, então deixei mais espaçosa.
– Posso dar uma olhada?
Dei de ombros.
– Só terminei o layout dos cômodos e o exterior.
– Pessoas normais não conseguiriam fazer isso tudo nesse tempo.
Éhh. Levei Milaine para dentro da casa de urso.
– O que você vai fazer sobre os móveis?
– Vou comprar quando voltar para Crimonia. Também preciso de roupa de cama.
– Ha! Isso não é um problema. Posso providenciar essas coisas pela guilda comercial.
– Não, relaxa. Eu mesma compro. Além disso, você deve estar ocupada.
Se não estivesse agora, estaria em breve. Ela não teria tempo para se preocupar com os móveis da minha casa de urso.
Milaine bufou.
– Estou tentando evitar a realidade por um momento. Vai virar um pandemônio quando eu voltar para Crimonia. Minhas listas de tarefas já têm listas de tarefas.
– Vai lá, tigresa.
– Yuna, você está agindo como se não tivesse nada a ver com isso.
Mas eu não tinha mesmo? Cumpri minha parte. Kraken derrotado, bandidos eliminados, túnel cavado, estátua de urso… ursificada. Qualquer pessoa normal teria tido um dia terrível tentando fazer tudo isso — e eu disse isso a ela.
– Eu sei – respondeu Milaine. – Esse é o meu trabalho e o do Cliff, mas vamos precisar da ajuda do Ralock.
– Quem é Ralock?
O nome era familiar… mas nem tanto.
– Você sabe, o Ralock? O mestre da guilda de aventureiros de Crimonia.
Ah, o Ralock. Eu tinha ouvido a Sanya mencionar o nome uma vez, mas como sempre o chamava de “mestre da guilda”, talvez eu tivesse esquecido.
– Primeiro – disse Milaine –, temos que limpar os monstros da área. Depois precisamos trazer artesãos, derrubar as árvores, fazer uma estrada e montar um posto em frente ao túnel. Temos bastante trabalho pela frente.
De fato.
– Mas ver você com essa roupa incrivelmente fofa – disse Milaine com um sorriso –, encheu-me de determinação.
Certo, claro. Olhar a paisagem do terceiro andar deve ter renovado o espírito dela. Depois de me agradecer, ela voltou para o porto.
Hmm. Será que era impressão minha, ou a Milaine estava me olhando de um jeito diferente do normal? Eh, vai saber. Eu tinha uma casa de urso para terminar.
Trabalhei instalando as gemas de mana antes de escurecer, começando pelas gemas de luz no teto e as linhas de mana conectando tudo. Instalar gemas precisava ser feito à mão, então levou um tempo. Mas quando você conectava as linhas nas gemas de luz… boom: uma sala bem iluminada. Simples, fácil, qualquer um podia fazer.
Depois de instalar gemas de luz em todos os cômodos, comecei a adicionar o básico. O primeiro andar precisava da sala de jantar e da cozinha, então fiz uma nota mental para comprar mesas e cadeiras. Quanto ao forno, fiz um de pedra mesmo. Seria legal se todos fizessem pão juntos.
Depois, peguei uma estante sobressalente do meu Armazenamento de Urso (a gente nunca sabe quando é útil) e a enchi com pratos, copos, garfos, colheres e outras coisas necessárias. Já tinha comprado tudo isso em grande quantidade, então era fácil montar uma nova casa de urso sempre que precisasse. O que faltasse eu compraria em Crimonia.
O segundo andar era só dois salões grandes, então tudo que precisava era roupa de cama e travesseiros. Eu não tinha roupa de cama suficiente para todos os órfãos, mas compraria depois.
O terceiro andar tinha meu quarto e alguns quartos de hóspedes. Fiz minha cama com magia, enorme, para acomodar meus ursinhos fofos. Depois coloquei roupas de cama sobressalentes — tamanho extra grande, conforme o padrão das casas de urso. Cobertores grandes evitavam que meus ursos dormissem em cima de mim, o que não era ideal.
Mesas e cadeiras extras para os quartos de hóspedes e… pronto.
Quarto andar: banhos. Prateleiras para os vestiários, algumas gemas de fogo e água para manter a água quente. Banquinhos, baldes, talvez cestos para roupas… e pronto, parecia uma casa de banho pequena. Quem sabe eu colocasse cortinas como as dos banhos públicos?
Como o interior estava praticamente pronto, comecei a criar o quintal — talvez eu usasse o galpão para armazenar monstros, talvez não, mas era melhor ter. Decidi o tamanho do quintal e o cerquei com muros de uns dois metros. Eis aqui minha terra. Muita terra, agora que percebi, mas ehh. Deve dar tudo certo.
Para finalizar, coloquei pequenas estátuas de filhotes de urso de pedra sobre o portão, como shisa de Okinawa. Dois guardiões fofinhos.
Okay, talvez eu gostasse um pouco de ursos. Digo, eu amo Kumayuru e Kumakyu, mas… aquele macacão de urso? Ainda era constrangedor.
E com isso, minha enorme casa de urso estava finalizada e equipada com o essencial. Vista de fora, parecia dois ursos em pé lado a lado. Eu realmente havia construído uma casa de quatro andares. Lá estava ela: a quinta casa de urso.
A primeira era em Crimonia, a segunda numa gruta perto da vila dos kokekkos, a terceira viajava comigo, a quarta era na capital, e agora havia essa quinta.
As casas de urso não só eram muito mais resistentes do que casas normais, como também estavam protegidas pela minha mana. Só pessoas autorizadas por mim podiam entrar. Mesmo que eu não estivesse presente, ninguém conseguiria invadir. Não que houvesse muito para roubar, mas ainda assim — não ia deixar ladrões entrarem assim.
Do terceiro andar, vi o sol se pondo sobre o oceano. Minha barriga roncou de novo — e eu me surpreendi com quanto tempo havia passado. Tranquei tudo e corri de volta para a pousada em busca de mais comida do Deigha.
