EU ESTAVA SEM OVOS. Nada de ovos fritos, mexidos, sanduíches de ovo ou pudim. Era uma emergência alimentar. Eu precisava reabastecer com urgência.
Então…
– Fina, vou voltar a Crimonia. Você quer ir também?
– Hããã? – Fina me olhou com uma cara confusa.
– Tô sem ovos, então pensei em passar no orfanato.
– Você vai pra casa, Yuna?
Eu só ia dar uma passadinha rápida pelo portal de transporte.
– Vou sim. Mas você pode aproveitar e passear pela capital, se quiser. O que prefere?
– Nesse caso… vou pra casa também. Posso me despedir da Lady Noa?
– Ah, nem precisa. A gente volta ainda hoje.
– …? – Fina inclinou a cabeça. – Quer dizer que vamos pra cidade agora e voltamos pra capital hoje ainda?
– Isso mesmo.
Por algum motivo, senti que ela não tava entendendo o que eu dizia.
– Se formos rapidinho, dá até pra voltar de tarde.
– Yuna, isso seria muito cruel com a Kumayuru e a Kumakyu. Não me importo de ficar sem ovos, só não faça algo tão horrível com elas.
– …? – Agora foi minha vez de inclinar a cabeça. – Vamos usar o portal de transporte das ursas, não vamos montar nas ursas.
– O que é um portal de transporte das ursas? – Fina torceu a cabeça de novo.
É mesmo, eu nunca tinha contado pra ela.
– Foi mal, achei que já tinha falado. A gente sempre tá junto, então pensei que você soubesse. Eu tenho um portal de transporte das ursas. Com ele dá pra ir direto pra cidade.
– Yuna… não tô entendendo o que você tá dizendo.
E fazia sentido. Se eu estivesse no mundo real e alguém me dissesse isso, ia achar que a pessoa tinha enlouquecido. Eu nem sabia se existia magia de teletransporte nesse mundo. Se não existia, claro que a Fina não ia acreditar.
– Deixa eu perguntar uma coisa rapidinho: aqui nesse país existe algum jeito de se transportar de um lugar a outro instantaneamente? Tipo, mágica que leva a pessoa da capital pra cidade em um segundo?
– … – Fina não respondeu.
– Tipo… tem alguma magia que possa te levar da capital direto pra cidade da sua mãe num instante?
– Nunca ouvi falar de nada assim.
Claro que não.
Será que eu podia contar sobre o portal? Mas era a Fina. Ela não era do tipo que sairia por aí espalhando. E mesmo se contasse, só eu podia usar o portal, e ele só funcionava nas casas-ursa. Conclusão: não tinha problema.
– Fina, eu confio muito em você, tá?
– Hã? – Ela assentiu, mas ainda confusa.
Fui até o depósito e ativei o portal de transporte das ursas.
– Acho que você já viu um desses no depósito da outra casa também.
De fato, havia um lá, mas eu nunca tinha explicado o que era pra Fina. Por estarmos sempre juntas, achei que já tivesse comentado.
– Esse portal tá ligado ao de Crimonia.
– Yuna, nem eu sou tão inocente assim. Se eu pudesse atravessar esse portal e chegar na cidade onde minha mãe tá, ninguém mais teria problemas na vida.
Era justo.
– Vai entender quando atravessar.
Segurei a mão da Fina e abri a porta do portal. Do outro lado, estávamos no depósito da casa-ursa de Crimonia.
– Yuna?!
Fina estava em choque. Qualquer um ficaria.
– Não conta isso pra ninguém, tá? E não pode usar sem mim.
Saindo do depósito, estávamos de volta à nossa querida cidade de Crimonia.
– A Tiermina deve estar no orfanato agora. Vamos?
Seguimos juntas para o orfanato.
– Menina urso!
Ao nos aproximarmos, as crianças que brincavam do lado de fora correram na minha direção. Eram os pequenos que eu chamava (sem pedir permissão) de brigada infantil. Ainda jovens, mas bons meninos e meninas que cuidavam dos menores.
Uma delas me viu, depois outra e mais uma… e logo eu estava cercada.
– Oi, gente. Aconteceu alguma coisa?
– Tá tudo bem!
– A gente tá trabalhando direitinho!
Fiz um cafuné geral nas cabeças.
– A Tiermina tá por aqui?
– Tá sim, com a moça da casa!
Falei pra eles voltarem a brincar e entrei no prédio. Lá dentro, encontrei a diretora, a Tiermina e a Liz tomando chá.
– Mãe!
– Fina! E Yuna! Vocês voltaram?
– Vamos voltar pra capital ainda hoje. Só passei pra buscar ovos.
– Veio só por causa dos ovos?
– Tem algum sobrando?
– Todos os ovos são seus, então se tiver, pode levar. Mas você veio da capital só por isso?
Claro, ela não sabia do portal, então era natural pensar assim.
– Hm… digamos que Kumayuru e Kumakyu trabalharam bastante.
– Suas invocações são tão rápidas assim?
Eu não tinha uma resposta boa, então deixei no ar:
– Bom, são invocações…
Espero que ela aceite minha desculpa esfarrapada.
– E quando vão voltar pra capital?
– Se der tempo, ainda hoje.
– Tão rápido assim?
– Se os ovos só estiverem prontos amanhã, não tem problema esperar.
– Quantos você quer?
– Uns 100 ou 200. Quanto mais, melhor.
– Então, pode ser amanhã? Hoje eu consigo uns 100, e amanhã preparo mais.
– Perfeito.
– Fina, se você vai só amanhã, pode ficar com a Tiermina hoje. Ou, se preferir, dormir aqui.
– Não, quero voltar pra capital também. Ainda não me despedi da Lady Noa.
– Nesse caso, nos vemos aqui amanhã. Ah, e tenho um pedido pra você, Tiermina. E pras outras pessoas também.
– Pode falar.
– Daqui a mais ou menos um mês, um vendedor de batatas vai aparecer por aqui. Você pode recebê-las por mim? Já paguei parte do valor. Pode usar o dinheiro das vendas de ovos pra pagar o resto.
– Batatas? Já vi algumas sendo vendidas, mas ouvi dizer que às vezes causam dor de barriga.
Então quer dizer que já vendiam por aqui às vezes? Mas eu queria garantir fornecimento contínuo, então tudo certo.
– É só não comer as que tiverem brotos ou estiverem verdes.
– Sério?
– Então, por favor, aceite o pedido.
– Tudo bem.
Peguei os ovos do dia e saí do orfanato.
Na comparação com a capital, aqui eu não chamava tanta atenção. De vez em quando, uma criança comentava “Olha, um urso!”, mas era só isso. Quando eu acenava, elas ficavam todas animadas.
Chegando em casa, havia alguém me esperando na frente.
– Yuna, até que enfim você voltou!
Milaine estava ali, me encarando como se tivesse encontrado sua presa.
– Milaine? O que foi?
– Nada de “o que foi”! Tenho um monte de perguntas pra você!
O que será que aconteceu? Não lembrava de ter feito nada que deixasse ela irritada.
– O que era aquela comida?!
– Que comida?
– Aquela que você me deu antes de ir pra capital!
– Ah, o pudim?
Agora que ela falou, lembro que dei mesmo.
– Isso! Aquela delícia!
– Impressionante você ter percebido que eu estava na cidade.
– Não tem como não notar você com essa roupa. Um pessoal da guilda de comércio me falou que te viu, então fiquei te esperando aqui.
Milaine segurou meus ombros com força pra evitar fuga. Eu poderia facilmente me soltar, mas não queria causar confusão.
– Não vou fugir, pode soltar.
– Jura?
– Milaine, você não tá parecendo você mesma…
Minha imagem séria e digna dela desabou.
– Culpa sua! Me deu aquela maravilha de sobremesa e sumiu!
Mas nem foi de propósito. Só tinha dado de presente mesmo.
– Bem, Yuna, vamos conversar. Que tal abrir uma loja? Isso venderia horrores!
Claro que venderia. Eu já tava pensando nisso faz tempo. Se as crianças aprendessem a cozinhar, podiam fazer pudim também. Era por isso que não tinha ensinado a receita nem pro Cliff, nem pro rei.
– Como eu disse, é feito com ovos. Fico feliz que você tenha gostado. Qual o preço atual dos ovos?
– Caiu bastante. Estamos recebendo de duzentos a trezentos por dia.
Parece que os preços estavam caindo como eu queria. E estavam vendendo bem mais pra guilda também. Se reduzíssemos essas vendas, dava pra abrir uma loja?
Segundo a Tiermina, tínhamos cerca de 400 kokekko agora. Se eu quisesse abrir loja, precisaria de pelo menos 500. Mas meu plano era chegar a 1000. Se eles estavam se multiplicando bem, talvez não demorasse pra atingir isso.
Limitando as vendas, era viável abrir uma loja. Só que as crianças não podiam cuidar sozinhas. Precisava de um adulto. Confiava na Liz e na Tiermina. A Liz cuidava das crianças e das aves. A Tiermina cuidava dos ovos. Ela disse que terminava o serviço de manhã, então teria tempo à tarde.
Talvez desse pra conversar com ela sobre isso.
– Posso até preparar um chef, se quiser.
Preferia que não. Seria complicado se a receita vazasse.
– Por ora, pode providenciar a loja primeiro?
– Como assim?
– Não quero contar a receita pra outros, então não preciso de chef.
– Entendido. Tem alguma preferência pra loja?
– Pode escolher o tamanho, mas queria que fosse perto do orfanato. E, se possível, em lugar onde o movimento não incomode vizinhos.
Vai que começa a formar fila? Se centenas de pessoas se juntarem, seria um problema.
– Por que perto do orfanato?
– Quero que as crianças do orfanato trabalhem lá.
– Vai fazer os órfãos trabalharem?
– Acho que isso pode ajudar eles a se tornarem independentes.
– Entendido.
– Não tenho pressa, então vá com calma. Amanhã volto pra capital.
– Mesmo?
– Tinha umas coisinhas pra fazer, então vim rapidinho.
– Parece longe demais pra fazer só isso.
– Minhas invocações são incríveis.
Não podia contar do portal, então improvisei. Milaine não insistiu. Em vez disso, perguntou outra coisa.
– Então, Yuna… eu queria pedir, será que você poderia… me dar mais um pouco daquele pudim?
Ela parecia bem envergonhada ao pedir. Mas já tinha me ajudado muito.
Peguei quatro pudins do meu estoque-urso.
– São os últimos que tenho por agora.
– Yuna, querida, muito obrigada!
Ela aceitou feliz e guardou com cuidado no saco sem fundo, depois foi embora. Hm? Espera, ela me chamou de “querida”? Acho que foi só minha imaginação.
Decidi fazer mais pudins com os ovos que a Tiermina me deu. E assim terminou meu dia