Graças ao lado branco da Roupa de Urso, acordei me sentindo renovada. Peguei alguns ovos do Armazém de Urso e preparei um sanduíche com ovo frito. Senti outra pontada de saudade de arroz, molho de soja e missô — tão perto de um café da manhã japonês, e ainda assim tão longe.
O Guildmaster havia me chamado, mas como não especificou um horário, tomei meu café da manhã com calma antes de sair. Assim que cheguei a guilda, um funcionário me conduziu até a sala do Guildmaster.
— Você chegou mais cedo do que eu esperava.
— Fui dormir direto ontem. Você também tá adiantado, né?
Ele já estava trabalhando.
— Passei a noite toda aqui, cuidando do acúmulo de trabalho e das coisas da víbora negra.
— Coisas da víbora negra?
— Recebemos várias propostas pelos materiais depois que a notícia se espalhou.
— Eu ainda não decidi se vou vender.
— Eu sei, mas não podia dizer isso pra eles. Os comerciantes e armeiros te perseguiriam até os confins da terra.
— É tão cobiçado assim?
— A pele vira uma armadura excelente — é resistente, leve e absorve mana como uma esponja. Tem muitos aventureiros que iriam querer. A carne é uma iguaria. Você pode vender qualquer corte por uma fortuna. As presas têm várias utilidades, e dependendo do tamanho da criatura, pode haver uma gema de mana de rank B. Em outras palavras, qualquer um iria querer esses materiais.
— Então você tá dizendo que eu tenho que vender?
— Se vai vender ou não é decisão sua. Mas se não vender…
— As pessoas vão me incomodar por causa disso de qualquer jeito?
— Isso mesmo. Falando pela guilda, eu preferiria que você vendesse isso diretamente pra gente, em vez de dar pra outra pessoa.
— Não me importo em vender, mas quero ficar com a gema de mana e alguns materiais.
Eu não sabia quando a gema de mana poderia ser útil.
— Sim, por mim tudo bem. Eu ficaria mais tranquilo se você deixasse a pele e a carne com a gente.
— E onde vamos fazer o açougue? Vai ser impossível fazer isso no armazém, certo?
O Guildmaster ficou pensativo, depois com uma expressão preocupada.
— Vamos ter que fazer do lado de fora.
— Do lado de fora?
— Ninguém vai reclamar se fizermos fora dos portões, certo? Desculpe pedir isso tão cedo, mas poderia mover o corpo até lá?
— Posso.
O Guildmaster e eu saímos da sala.
— Helen, reúna os melhores açougueiros e veja o mínimo de equipe que precisamos pra manter o armazém funcionando.
Helen correu e reuniu cerca de dez pessoas, entre elas Gentz e Fina.
— Achei que talvez precisássemos de mais gente — explicou Gentz, ao perceber minha surpresa ao ver Fina.
O grupo seguiu em procissão do sindicato até os portões da cidade, e então para um local que não bloqueasse a passagem.
— Aqui está bom.
Com a aprovação do Guildmaster, tirei a víbora negra do Armazém de Urso. Os açougueiros soltaram um suspiro coletivo.
— É enorme.
— Essa garota de urso derrotou isso mesmo?
— Não acredito que isso coube na bolsa dela.
— Será que conseguimos terminar isso hoje?
— Ei, vocês, o trabalho não vai se fazer sozinho. Quando terminarem, levem as partes para o armazenamento refrigerado. Prioridade na carne — se estragar, perdemos dinheiro. A pele pode ficar por último.
Todos concordaram.
— Então, Yuna, o que vai fazer?
— Eu?
— Vai assistir ou voltar pra casa?
— Posso voltar?
Se eu pudesse, eu iria. Não tinha o menor interesse em ver uma cobra ser aberta.
— Sim, sem problemas. Levaremos os materiais para a guilda. Lá você escolhe as partes que quiser.
— Então vou pra casa. Quando acham que terminam?
— Difícil saber. Enviarei alguém até sua casa quando acabar.
— Nesse caso, peça pra Fina ir — ela já entra sem problema.
— Entendido.
Como ir direto pra casa seria chato, decidi passar na praça pra almoçar. Pensei que podia relaxar um pouco antes de ir — e qualquer coisa que comprasse não esfriaria no Armazém de Urso. Enquanto procurava algo para comer, vi algumas crianças sujas num canto escondido.
Fui até uma barraca que vendia espetinhos de lobo.
— Oh, garota urso, voltou. Mas está cedo hoje.
Eu era cliente frequente dali. Pedi um espetinho e perguntei sobre as crianças.
— Ah, são do orfanato. De vez em quando aparecem por aqui.
— Pra quê?
— Esperam as sobras dos clientes.
— Sobras…?
— Elas caçam restos. A gente não se importa, já está pago, mas não é algo que aquece o coração.
Observei de novo. Os menores pareciam ter uns cinco anos, e os mais velhos, no máximo doze.
— Moço, vinte espetinhos, por favor.
— Não faça isso. Hoje você alimenta, mas e amanhã? Se não vai ajudar de verdade, é melhor não se meter — disse o vendedor. Entendi o ponto dele. Se fossem adultos, eu ignoraria. Mas não podia fingir que não vi crianças.
— O orfanato não recebe ajuda da cidade?
— Sei lá. Vai que ganham um monte, vai que quase nada. Nunca perguntei. Pelo que parece, não é muito.
O Cliff parecia um lorde decente, mas naquele momento minha opinião despencou. Pedi os vinte espetinhos de novo.
— Depois não diga que eu não avisei.
Peguei o pedido e fui até o canto onde estavam as crianças; todas me observavam com atenção.
— Peguem um cada um.
Elas se entreolharam, confusas.
— Podemos comer isso? — perguntou uma garotinha com voz baixa.
— Tá quente, então mastiguem devagar.
Entreguei um espetinho a ela, que mordeu imediatamente. As outras seguiram o exemplo.
— Moça, obrigada — disse a menina. Mas eu não ia parar por aí.
— Pode me levar até o orfanato? — perguntei.
A menina inclinou a cabeça, confusa.
— Vocês devem estar com fome. Querem mais comida, né? Podem me mostrar o orfanato? Tenho carne comigo, podemos comer todos juntos.
Ela assentiu levemente.
— Por aqui.
As outras hesitaram, mas acabaram nos seguindo.
A caminhada nos levou até a borda da cidade — um pouco longe demais para uma criança. O orfanato era um prédio isolado. As paredes estavam rachadas e havia buracos por todo lado. O teto não parecia melhor.
— Tá assim de ruim, hein? — pensei. Eu nunca deveria ter dado aquela espada para o Cliff. Seria melhor ter vendido e financiado o orfanato com o lucro.
Ao nos aproximarmos, uma senhora idosa saiu.
— Quem é você? Sou Bo, a diretora.
— Sou Yuna, aventureira. Vi essas crianças na praça central.
— Na praça… vocês foram lá de novo?
Ela lançou um olhar às crianças, que se desculparam uma a uma.
— Está tudo bem — disse ela. — A culpa é minha por não conseguir alimentar vocês. Essas crianças te incomodaram?
— Não, só pareciam com fome.
— Me desculpe. É uma vergonha, mas temos pouca comida — disse, sem conseguir me encarar.
— Não recebem ajuda da cidade?
— Desde o ano passado, o valor foi caindo. Fomos cortados há três meses.
— Foram cortados…?
Aquele lorde…
— Sim. Disseram que não havia verba pra nós.
— E como estão comendo?
— Pegamos produtos danificados que as hospedagens, barracas e vendedores não conseguem vender.
Cliff… senti o estômago embrulhar.
— Mas ainda é pouco. Então as crianças vão à praça…
— Diretora, vou dar ingredientes. Faça com que comam até se fartar.
Fui até a cozinha. Tirei um bloco de carne de lobo já processado pela Fina do Armazém de Urso. Como só carne não era saudável, também tirei pão e um barril de suco de laranja.
— Hm, Yuna…
— Me ajuda, diretora. Ah, tem mais alguém que ajuda aqui?
— Sim, uma moça chamada Liz, mas ela foi buscar mais comida.
Cozinhamos a carne, cortamos o pão e montamos pratos com suco. Alinhamos tudo na mesa.
— Tem pra todo mundo, então nada de pressa.
— Crianças, agradeçam à Yuna.
Elas começaram a comer assim que a diretora deu sinal. Era como uma batalha; todos sorrindo como se fosse o melhor dia das vidas deles.
— Yuna, muito obrigada. Faz tanto tempo que não vejo essas crianças sorrirem.
— Ainda tenho carne. Se não for suficiente, preparem mais.
— Muito obrigada.
Fiquei observando, depois pedi licença. Algumas crianças me seguiram.
— Garota urso, vai aonde?
— Tô pensando em consertar a casa de vocês. Deve entrar vento por todo canto.
Usei feitiço de terra para tapar rachaduras e buracos.
— Isso é incrível, garota urso!
— Me mostram onde mais precisa?
Elas conheciam melhor que eu. As segui, depois fui até o telhado. Não sabia onde vazava, então cobri tudo com uma camada fina de terra. Em seguida, consertei as paredes internas. A diretora apareceu e perguntei o mesmo que disse às crianças.
No quarto, vi que separaram meninos e meninas, mas os beliches estavam espremidos. Cada cama só tinha uma toalha fina — aquilo era o cobertor? Devia ser frio.
Contei os ocupantes — eram 23. Tirei 30 peles de lobo e entreguei à diretora.
— Yuna?
— Dê isso às crianças. Tem pra você também.
Fui de quarto em quarto consertando as paredes.
Na sala de jantar, todos tinham terminado. Mas ninguém tocou na carne que sobrou.
— Não comeram isso?
— Sim. Se permitir, queremos guardar pro almoço de amanhã.
— Ah, desculpa. Esqueci de avisar — vou preparar o suficiente para vários dias, então comam hoje também.
Tirei mais carne e pão do Armazém de Urso. Devia durar uns dias.
— Hm, por que está fazendo tudo isso por nós?
— Se um adulto não come, é porque não trabalha. Mas se uma criança passa fome, a culpa não é dela. É dos adultos. Se não têm pais, outros adultos devem ajudar. Isso faz de nós aliados.
— M-muito obrigada.
— Conheço o lorde daqui, então vou pedir pra ele financiar o orfanato.
E se eu não fizesse isso, ia me sentir péssima.
— Por favor, não faça isso.
— Por quê?
— O lorde nos deixa viver aqui sem cobrar aluguel. Se ele se irritar e nos expulsar, não temos pra onde ir.
— Ele é tão ruim assim?
— Não diria isso…
— Mas não dá ajuda.
— Somos gratos só por ter onde viver.
Cliff era um lixo. Melhor dar um soco do que apenas conversar.
— De qualquer forma, vou pra casa.
— Sim… muito obrigada.
— Vai embora, garota urso?
As crianças se juntaram.
— Eu volto.
Afaguei a cabeça delas.
— Estão incomodando a Yuna. Todos, agradeçam.
— Obrigada, garota urso!
— Obrigada!
As crianças sorriram — fiquei feliz em vê-las tão animadas.