Capítulo 35 – Nova Casa e Mudança.
Ganhei uma casa. Nem sei direito como aconteceu, mas, de repente, me vi com uma casa novinha em folha. De quem? Do rei, claro.
No dia da cerimônia de concessão do título, tudo correu como planejado na sala de audiências:
— Como salvador da minha vida, desejo te conceder um título de nobreza — anunciou o rei, com pompa.
— É uma honra, mas acho que a vida de aventureiro combina mais comigo — respondi, seguindo o script.
— Entendo. Não vou insistir — disse ele, encerrando o assunto.
Até aí, tudo nos conformes.
— Contudo, seria uma desfeita deixar meu benfeitor partir sem nada. Por isso, preparei uma quantia em dinheiro e uma mansão para servir de base para suas aventuras. Aceite isso no lugar do título — acrescentou o rei.
— Hã? — deixei escapar, pego desprevenido.
Antes que eu pudesse processar, um senhor de idade avançada se aproximou com uma bandeja de prata. Ele me entregou uma bolsa cheia de dinheiro e um documento com a descrição da casa e outras coisas. Distraído com as palavras do rei, peguei tudo sem pensar. Quando percebi o peso da bolsa, já era tarde: o homem já tinha se afastado com a bandeja, e eu perdi a chance de devolver.
— Sua atuação foi exemplar. Espero grandes feitos seus no futuro — finalizou o rei, com um sorriso.
E assim, sem mais nem menos, a audiência terminou.
— Distrito oeste, Rua Paralan, 21A… É uma área onde moram os mais abastados do distrito externo, né? — murmurou Yumina, olhando o documento.
A capital é dividida em dois grandes círculos ao redor do castelo: o distrito interno, onde vivem nobres, realeza e grandes comerciantes, e o distrito externo, separado por um rio. O externo ainda se divide em leste, sul e oeste — nada de distrito norte, já que o Lago Pallet fica ali. E foi no distrito oeste, numa região cheia de gente rica, que o rei me deu uma mansão.
— E agora, o que você vai fazer? — perguntou Elsie, que tinha acabado de voltar do treino com o general Leon, ainda enxugando o suor.
— Mano, acho que devolver não rola, né? — falei, coçando a nuca.
— Seria uma baita grosseria devolver algo que o rei te deu. É como esmagar a honra dele — explicou Lindsey, com um tom sério.
— Faz sentido… — concordei, suspirando.
Devolver seria tipo dizer: “Valeu, mas não curti, toma de volta”. Não dá pra fazer isso. Pelo jeito, vou ter que aceitar.
Joguei-me na grama ao lado do campo de treino do castelo, olhando o céu azul com nuvens branquinhas passando devagar. Era um céu assim quando cheguei nesse mundo…
— Não foi só a casa. O dinheiro também é um problemão. O que faço com uma grana dessas? — resmunguei.
— Quanto foi, de gozaru? — perguntou Yae, se inclinando pra me olhar.
— Vinte moedas de ouro real — respondi, meio sem graça.
— Vinte moedas de ouro real!? — gritaram Elsie, Lindsey e Yae juntas, em perfeita harmonia.
Pois é, normal ficar chocado. As moedas de ouro real são mais valiosas que as de platina. Uma moeda de ouro real vale dez de platina, e não é algo que você vê circulando por aí no mercado. No meu mundo antigo, uma moeda dessas seria tipo… uns dez milhões de ienes. Multiplica por vinte: dois bilhões! A vida do rei vale dois bilhões? Barato ou caro, sei lá. E o pior: esse dinheiro saiu do bolso do próprio rei. Nem perguntei como ele conseguiu.
Agora, pensando bem… e se isso for um tipo de dote? Tipo, agora que peguei a grana, não posso mais recusar o casamento com a Yumina? Não, pera, o dote não é algo que o noivo dá pra família da noiva? Ou, como eu sou o “noivo que entra pra família”, tá certo assim? Ai, minha cabeça tá um nó!
Por enquanto, deixei o dinheiro com o duque pra não ficar carregando algo tão perigoso.
— Com uma casa dessas e esse dinheiro, você já podia se aposentar e viver de boa, né? — sugeriu Elsie, com um suspiro.
— Isso me parece o caminho mais rápido pra virar um inútil total — retruquei, me sentando.
Ter dinheiro é ótimo, mas parar de trabalhar por causa disso? Não parece certo. Não sei explicar, mas não é a vibe.
— Que tal a gente dar uma olhada na casa? Fica a uns trinta minutos daqui — propôs Yumina.
Ninguém se opôs, então decidimos todos ir ver a tal mansão.
— Mano… sério? Aqui? — murmurei, paralisado.
Lá estava ela, no distrito oeste, num morro com uma vista incrível. Uma mansão de três andares, com paredes brancas e telhado vermelho. Elegante, estilo ocidental. O design era impecável, e o lugar, numa área tranquila, afastada do burburinho da cidade, era perfeito. Mas…
— É grande demais, caramba… — deixei escapar.
Tá, comparada com a mansão do duque Ortlinde ou a do visconde Swordreck, até que não é tão exagerada. Mesmo assim, é uma baita de uma casa!
Usei a chave que me deram pra abrir o portão. O terreno era enorme: tinha um jardim com grama bem cuidada, canteiros cheios de flores coloridas e até um laguinho com uma fonte. Mais ao fundo, vi uma casa de hóspedes e um estábulo.
Abrimos as portas duplas da entrada e demos de cara com um hall imponente, com um tapete vermelho vivo e uma escadaria que levava ao segundo andar.
— Nada mal, hein? Gostei — disse Yumina, carregando Kohaku no colo e andando pelo hall como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Fui atrás dela, mas não segurei a sinceridade:
— Uma casa desse tamanho vai dar um trabalhão só pra limpar. É grande demais pra cinco pessoas morarem.
— Cinco? — disseram Elsie, Lindsey e Yae ao mesmo tempo, me encarando com cara de surpresa.
— Que foi? — perguntei, confuso.
— Touya-dono… quando você diz cinco, tá incluindo a gente, de gozaru? — perguntou Yae, hesitante.
— Ué, claro. Por quê? — respondi, sem entender.
— Mas… essa casa não foi um presente do rei pra você e a Yumina morarem juntos? — perguntou Elsie, tímida.
Ah, saquei. Então a casa era tipo um empurrãozinho do rei pra eu ficar com a Yumina. Que presentinho complicado!
Não é que eu não goste da Yumina, mas ainda não a vejo como “esposa”. Pra mim, ela é mais como uma irmãzinha.
— Se a casa é pra duas pessoas que se amam morarem juntas… acho que não é certo a gente ficar aqui — murmurou Lindsey, olhando pro chão.
— Que história é essa de “se amam”? Eu gosto de vocês quatro do mesmo jeito, são tipo uma família pra mim. Então, óbvio que todo mundo vai morar aqui. Qual o problema? — expliquei, tentando esclarecer.
De repente, notei que o rosto da Lindsey ficou vermelho como um pimentão. E não só o dela: Elsie e Yae também tavam coradas!
— Eu… vou dar uma olhada no segundo andar! — disse Elsie, saindo correndo.
— Eu… vou ver o sótão! — gaguejou Lindsey, disparando atrás.
— O… o quê? A cozinha! Tô curiosa pra ver a cozinha, de gozaru! — inventou Yae, fugindo também.
— Mano, o que tá acontecendo? — perguntei pro vazio, enquanto elas sumiam.
— Entendi. Você gosta das quatro do mesmo jeito, como uma família, né? Um passo à frente, talvez — disse Yumina, com um sorriso enigmático.
— Eu quero ser sua esposa, Touya-san, e construir uma vida com você. Mas não pretendo te monopolizar. Então, isso até que funciona. Vou conversar com elas rapidinho. Espera no sala de estar, tá? — completou ela, subindo as escadas e me deixando com Kohaku.
— Hã? Como assim? — murmurei, mas Yumina já tinha sumido.
Sem entender nada, fui pra sala de estar, como ela pediu. No caminho, passei por um banheiro, uma sala de visitas, um depósito de comida e até uma adega, mas tava tudo vazio. Nem uma prateleira.
Cheguei à sala de estar, no fundo do primeiro andar. Era enorme, como esperado, mas só tinha uma lareira e cortinas. Fora isso, nadinha. Vamos precisar comprar um monte de móveis. Será que o rei me deu o dinheiro já pensando nisso?
Pela janela gigante, dava pra ver o terraço e, além dele, o jardim e a vista do distrito oeste. Saí pro terraço e senti uma brisa gostosa.
— Bom jardim, né? Deve ser uma delícia tirar um cochilo aqui — disse Kohaku, se jogando na grama.
— Curtiu? — perguntei.
— Demais — respondeu ele, com um ronronar satisfeito.
Se até o Kohaku tá aprovando, talvez morar aqui não seja má ideia. Vai dar trabalho arrumar tudo, mas…
— Touya-san — chamou Yumina.
Me virei e vi ela voltando com as outras três. Elsie, Lindsey e Yae tavam meio cabisbaixas, desviando o olhar. Ainda com as bochechas meio rosadas. Que estranho.
— Touya… sério que a gente pode morar aqui? — perguntou Elsie, hesitante.
— Claro — respondi, sem entender o drama.
— Não vai… tipo, nos mandar embora depois, né? — murmurou Lindsey, quase inaudível.
— Jamais — garanti.
— E vai nos tratar igual a Yumina-dono, de gozaru? — perguntou Yae, séria.
— Óbvio — confirmei.
Sério, o que tá rolando? Não tenho família nesse mundo, mas vejo todas elas como uma. Isso é verdade. Mesmo assim, por que tão todas tão… nervosas? Tá, morar numa casa dessas pode intimidar, mas é minha agora, então não tem motivo pra ficarem com vergonha.
— Certo, então tá decidido: vamos todos morar aqui juntos. Não precisa ter pressa pra resolver as coisas. Aquela conversa de antes… podemos deixar pra quando estiverem prontas — disse Yumina, olhando pras outras.
— Tá bom — respondeu Elsie, tímida.
— Certo — murmurou Lindsey.
— Entendido, de gozaru — concordou Yae, ainda vermelha.
— Pera, que conversa? — perguntei, confuso.
— Segredo! — gritaram as quatro juntas, em perfeita sincronia.
Beleza, entendi. Tô começando a achar que, nessa casa, quem manda menos sou eu…
— Bom, que tal escolhermos os quartos? — sugeriu Yumina.
— Quero o do canto no segundo andar! — disse Elsie, animada.
— Eu fico com o do terceiro andar, perto da biblioteca — pediu Lindsey, tímida.
— Eu prefiro um no primeiro andar, com vista pro jardim, de gozaru — escolheu Yae.
Elas começaram a conversar empolgadas, decidindo os detalhes. Tô me sentindo meio de lado, mas tudo bem. Tem quarto pra caramba, então cada uma pode pegar o que quiser. Mesmo com quartos individuais, ainda vai sobrar espaço.
— Hmm… será que a gente dá conta de cuidar dessa casa sozinhos? Tô meio preocupado — comentei, pensativo.
— Impossível — respondeu Yumina, sem rodeios.
— Mano, assim, na lata? — retruquei, rindo.
Mas ela tá certa. Só a limpeza já vai ser um pesadelo. Com as missões da guilda, não vamos ter tempo pra cuidar de jardim ou coisa assim.
— Então, vamos contratar ajuda. Conheço algumas pessoas que podem ser úteis — sugeriu Yumina.
— Beleza, confio em você — concordei.
Se ela tem contatos no palácio, deve conseguir gente boa. Agora, é hora de organizar a mudança. Quer dizer, “mudança” é só trazer nossas coisas pelo portal. Mas vamos precisar comprar móveis e um monte de tralha, já que a casa tá pelada.
Também quero passar em Reflet pra me despedir das pessoas que nos ajudaram por lá. Com a contratação de empregados e outros detalhes, marcamos a mudança pra daqui a três dias. Vai ser corrido!