Capítulo 36 – Mordomo e Contratação de Empregado.
Chegou o dia da nossa mudança pra capital. Fui me despedir de todo mundo em Reflet: Mika-san e Dolan-san do “Lua Prateada”, Aer-san do “Parent”, Zanac-san do “Fashion King Zanac”, Baral-san da loja de armas “Urso Oito”, e outras pessoas que nos ajudaram. Foi uma despedida cheia de emoção.
Reflet foi a primeira cidade onde morei nesse mundo, então tenho um apego especial. Claro, com o [Portal], posso voltar quando quiser, mas mesmo assim bateu uma nostalgia.
Dolan-san tava todo empolgado, dizendo que ia transformar Reflet na “cidade do shogi”. Como o rei também é viciado no jogo, pode até ser que ele consiga.
Pro Zanac-san, dei de presente umas folhas com designs de roupas do meu mundo. Quem sabe não aparece uma roupa de enfermeira ou um uniforme de marinheiro (seifuku) por aí? Não fui eu que sugeri, tá? Ele que se animou com a ideia.
Pra Aer-san, do “Parent”, dei algumas receitas de doces e usei [Modelagem] pra criar umas ferramentas úteis: uma colher pra servir sorvete, moldes em forma de coração, estrela e círculo, e um cortador de bolo. Prometi voltar pra provar as novidades.
Pra Mika-san, deixei uma faca com furos, um descascador, um espremedor de frutas, um ralador e várias receitas. Com isso, a comida do “Lua Prateada” vai ficar ainda mais matadora.
Depois das despedidas, voltamos pra capital. Quando chegamos na nova casa, tinha várias carroças paradas na frente, trazendo móveis. Yumina, que tava coordenando a entrega, viu a gente no jardim e veio correndo.
— Touya-san, que bom que chegou! Tem uma pessoa que quero que você conheça. Gostaria de contratá-la como mordomo da casa. Pode falar com ele agora? — perguntou ela.
— Agora? — respondi, surpreso.
Enquanto eu ainda tentava processar, um senhor de cabelos e barba brancos, vestido com um terno preto impecável, veio andando do terraço. Peraí, eu conheço esse cara… É o mesmo que me entregou a bolsa de dinheiro e o documento da casa na cerimônia!
— Prazer em conhecê-lo… ou melhor, é a segunda vez, não é? Meu nome é Laim. É um prazer — disse Laim-san, fazendo uma reverência profunda.
Ele deve ter uns sessenta e poucos anos, mas se move com uma agilidade impressionante pra idade.
— O avôzinho foi o assistente pessoal do meu pai por muitos anos. É perfeito pra ser o mordomo da casa — explicou Yumina, com orgulho.
— Sério!? — exclamei, boquiaberto.
O assistente pessoal do rei? Yumina realmente trouxe alguém de peso!
— Mas por que alguém tão importante viria trabalhar aqui? — perguntei, ainda sem entender.
— Bem, a idade chega pra todos, e passei meu cargo pro meu filho. Aí a princesa me fez o convite. Pensei que não seria má ideia passar o resto da vida servindo ao benfeitor do meu irmão — respondeu Laim-san, calmamente.
— Irmão? — repeti, confuso.
— Meu nome é Laim. Sirvo ao duque Ortlinde — explicou ele.
— Ah, o Laim-san da casa da Suu! — exclamei, juntando as peças.
Então é por isso que ele me parecia familiar! Ele é irmão do Laim-san que trabalha pro duque. Dois irmãos servindo irmãos da realeza. Uma dupla de mordomos!
— E então, posso ser contratado? — perguntou Laim-san.
— Não tenho nenhuma objeção, mas… tem certeza? Não tem lugares com melhores condições? — perguntei, hesitante.
— Não, quero mesmo trabalhar aqui. Por favor, me aceite — insistiu ele, fazendo outra reverência.
Sem motivos pra recusar, decidi contratá-lo pra gerenciar a casa e supervisionar os outros empregados. Ele vai cuidar de tudo.
— Muito bem, então, senhor — começou Laim-san.
— Pera, “senhor” não, por favor! — interrompi, desesperado.
— Não, não. Como empregado, devo manter a relação de senhor e servo. Agora, senhor, tenho algumas pessoas que gostaria de apresentar para contratar. Pode conhecê-las? — insistiu ele.
Tentei convencer Laim-san a não me chamar de “senhor”, mas foi como falar com uma parede. O cara é um mordomo profissional. Ele disse que ia buscar os candidatos e saiu rapidinho da mansão. Nossa, que eficiência.
— Arrumou um mordomo e tanto, hein? — disse Elsie, carregando suas malas pra dentro.
Lindsey e Yae foram atrás, enquanto Yumina voltou a organizar a entrega dos móveis. Fui pro meu quarto descarregar minhas coisas e ajudar com a mudança.
Meu quarto é o maior do segundo andar, mas, por enquanto, só tem uma cama e um armário embutidos. Nem roupa de cama tem! Hoje devem trazer um guarda-roupa, uma mesa, cadeiras e um estante. E, claro, roupa de cama.
Peraí… agora que pensei, eu podia ter usado [Modelagem] pra fazer as cadeiras e o guarda-roupa, né? Teria economizado uma grana… Mas, pensando bem, provavelmente iam me pedir pra fazer móveis pra todo mundo. Seria um trabalhão. Melhor deixar como tá.
Fui ajudar com os móveis. Como sou o único homem da casa, queria mostrar que sou útil. Mas, quando cheguei, vi Elsie usando [Impulso] pra carregar móveis pesados como se fossem almofadas. Peraí, eu sou necessário aqui?
Não podia ficar pra trás. Ativei meu próprio [Impulso] e comecei a carregar os móveis com tudo, tentando acompanhar o ritmo dela.
Quando terminamos de trazer os móveis, nos juntamos no terraço pra tomar um chá e descansar. Já colocamos móveis nos nossos quartos, na sala de estar, na cozinha e na sala de visitas. Agora é só organizar as roupas e livros que trouxemos.
Eu e Elsie competimos usando [Impulso] pra carregar os móveis, mas ela ganhou de lavada. O [Impulso] aumenta a força física várias vezes, mas, como usamos a mesma magia, no fim das contas, a força bruta dela falou mais alto. Perder pra uma garota em força física é meio humilhante… Será que devo treinar mais?
Pensando bem, em força física eu perco pra Elsie, em conhecimento e prática de magia eu perco pra Lindsey, em esgrima eu perco pra Yae, e em arco e etiqueta eu perco pra Yumina… Caramba, tô me sentindo um inútil.
— Finalmente tá começando a parecer uma casa, né? — disse Elsie, relaxada.
— Ainda faltam várias coisas pequenas pra comprar, de gozaru… — observou Yae.
— Vamos comprando aos poucos, não precisa correr — sugeriu Lindsey.
— É, por hoje tá bom — concordou Yumina.
Realmente, falta um monte de coisa: louça, sabão, produtos de limpeza… E no banheiro, tipo, um balde pra banho. Ferramentas de limpeza também, só trouxemos um ou dois. Lixeira? Também não temos. Tem bastante coisa pra comprar.
Começamos a fazer uma lista do que precisamos, discutindo juntos. Depois, vamos comprar tudo de uma vez. Enquanto conversávamos, Laim-san voltou pelo portão, trazendo um grupo de pessoas.
— Senhor, estes são os candidatos de que falei. São pessoas de confiança, posso garantir. Pode contratá-los? — perguntou Laim-san.
Esse “senhor” ainda me incomoda. Parece que envelheci uns vinte anos. Não tem como mudar isso? Pelo menos por mais uma década, acho que não combina comigo…
— Vim da Guilda das Criadas. Meu nome é Lapis. Prazer em conhecê-lo — disse uma garota de cabelo preto, corte bob, com um ar sério, fazendo uma reverência.
— Também vim da Guilda das Criadas! Sou Cecil, prazer em conhecê-la~ — disse outra, de cabelo castanho claro, com um sorriso leve e descontraído.
As duas, na faixa dos vinte anos, usavam uniformes de criada com aqueles acessórios clássicos na cabeça, o tal do “brim branco”. Uma guilda de criadas? Pelo visto, por causa de furtos e crimes envolvendo criadas, existe uma guilda que faz uma triagem rigorosa e treina as profissionais. Essas duas vão trabalhar sob o comando do Laim-san, cuidando da limpeza e da manutenção da casa.
— Sou Julio, jardineiro. Esta é minha esposa, Claire — apresentou-se um rapaz de cabelo loiro opaco, com um jeito amigável.
— Claire, cozinheira — disse a mulher de cabelo ruivo, também com um ar gentil.
Os dois, na casa dos vinte e poucos, parecem um casal bem tranquilo. Parecem se dar bem, tipo almas gêmeas. Julio-san é filho de um amigo do Laim-san e vai cuidar do jardim, desde as flores até uma horta. Claire-san será nossa cozinheira exclusiva. Ela era aprendiz de um cozinheiro que servia um nobre da capital. Talvez eu mostre pra ela o caderno de receitas que dei pra Mika-san.
— Meu nome é Thomas. Ex-soldado de infantaria pesada do reino — apresentou-se um homem robusto.
— E eu sou Huck. Ex-cavaleiro leve do reino — disse outro, mais magro.
Os dois, na faixa dos cinquenta, são recém-aposentados da Ordem dos Cavaleiros. Laim-san os convidou pra trabalhar como porteiros e seguranças da mansão, revezando turnos, inclusive à noite. Mas será que dois caras dão conta? Talvez precisemos de mais um ou dois. Vou deixar isso com o Laim-san.
Thomas e Huck… Tom e Huck. Aposto que eram traquinos quando crianças.
Não tive objeções, então contratei todos conforme a sugestão do Laim-san.
— Thomas e Huck têm casas na capital, então vão trabalhar como diaristas. Eu e os outros quatro gostaríamos de morar aqui, se não houver problema — pediu Laim-san.
— Sem problema. Tem quarto de sobra — concordei.
Julio-san e Claire-san, por serem casados, queriam dividir um quarto, mas sugeri que ficassem na casa de hóspedes. É pequena comparada à mansão, mas, no meu mundo, seria uma casa normal. Acho importante que tenham seu espaço como casal.
Passei uma quantia inicial pra cada um comprar o que precisarem pro trabalho. Também dei dinheiro extra pra Lapis-san comprar os itens da nossa lista e pra Claire-san adquirir comida e utensílios de cozinha.
Todos saíram pra fazer as compras, menos Laim-san, que entrou na mansão pra inspecionar tudo. Ele disse que, já que vai trabalhar aqui, quer conhecer cada canto. Que dedicação!
— Tá tudo se ajeitando rápido, né? — comentei, meio surpreso.
Ainda nem me acostumei com a casa, e já temos sete empregados! Será que a grana vai dar? O dinheiro do rei deve segurar as pontas por um tempo, mas…
— Não se preocupe. O avôzinho trabalhou pro meu pai desde criança. Ele sabe o que faz — disse Yumina, tomando um chá com calma.
— Nunca imaginei que contrataria o assistente pessoal do rei — respondi, rindo.
— É porque ele acredita no seu potencial — disse ela, com um olhar confiante.
Isso até me deixa meio pressionado…
— Mas, sério, a gente nunca ia dar conta de cuidar dessa casa sozinhos. Ter um mordomo tão competente é uma baita ajuda — murmurou Lindsey, dando um biscoito pro Kohaku, que tava deitado no colo dela.
Ela tá certa. Vamos depender bastante do Laim-san.
Ouvi o som de uma carroça parando no portão. Será que Lapis-san e os outros voltaram? Com tanta coisa pra comprar, devem ter alugado uma carroça.
Enquanto pensava nisso, Laim-san veio correndo da mansão.
— Senhor, o duque Ortlinde e a senhorita Suu estão aqui — anunciou ele.
— O duque e a Suu? — repeti, surpreso.
Nossos primeiros visitantes oficiais. O que será que querem?