Capítulo 33 – Manoplas e Gothloli.
— Droga… que situação chata… — murmurei, coçando a cabeça.
Elsie estava com uma cara de quem tenta resolver um quebra-cabeça impossível. Sentada à mesa do refeitório, ela encarava sua manopla prateada, que brilhava opaca sob a luz. O problema? A parte do punho estava toda estragada.
Culpa de uma briga de ontem. Enfrentamos um monstro com corpo de pedra, um gárgula. Na verdade, o bicho foi invocado por um cara que manipulava magia das trevas, parte de uma gangue de ladrões.
Fomos cercados por vários gárgulas com aquela aparência demoníaca de pedra, e a coisa complicou. Eram duros demais, espadas não faziam nem cócegas. Magia tinha pouco efeito, e flechas? Nem arranhavam. A única que conseguia causar algum estrago de verdade era Elsie, com seus golpes diretos.
Lindsey até ajudou no meio da luta, usando magias explosivas como Explosion e Bubble Bomb para despedaçar os gárgulas. Eu aproveitei uma brecha e usei Paralyze no mago, paralisando ele. No fim, entregamos os ladrões e o mago pros guardas do reino.
Missão concluída, mas a manopla favorita da Elsie acabou assim.
— Acho que vou ter que comprar uma nova… — disse Elsie, suspirando.
— Quer que eu conserte com Modeling? — sugeri. — Mas acho que não dá pra recuperar o desgaste do metal, então pode quebrar de novo.
— Essa era a que mais se encaixava direitinho na minha mão… — respondeu ela, com um tom de quem perdeu um velho amigo.
É, quando algo que você gosta quebra, bate uma tristeza danada.
— E agora? Vamos na Armas Kumahachi comprar uma nova? — perguntei.
— Já fui lá. O mesmo tipo de manopla só chega daqui a cinco dias — disse Elsie, frustrada.
Cinco dias é bastante tempo. Quer dizer, manopla não é tudo igual. Diferente das que vêm com armaduras completas, essas são feitas pra briga de verdade, bem reforçadas. Mas a demanda por elas é baixa. Aqui no reino, pessoas como Elsie, chamadas de “lutadoras” por usarem os punhos e técnicas corporais, são meio raras. Já ouvi dizer que em Misumido, o reino dos demi-humanos, tem bem mais, provavelmente porque os beastmen têm uma baita vantagem física.
— Touya, me leva pra capital! — exclamou Elsie, impaciente. — Não dá pra esperar cinco dias!
Nossa, que pressa! Não me importo, mas, comparada com Lindsey, que pensa antes de agir, Elsie é do tipo que age primeiro e pensa depois. Enquanto Lindsey bate na ponte pra ver se é segura, Elsie atravessa correndo antes que ela desabe. É mais ou menos assim.
— Na capital, talvez na Berkt… — falei, lembrando. — Agora que penso, tinha uma manopla lá com magia, chamada Manopla da Força ou algo assim.
A Berkt é onde comprei esse casaco com uma proteção insana contra magias de todos os elementos.
— Manopla da Força? — perguntou Elsie, curiosa.
— Pelo que ouvi, tem um encantamento que aumenta a força — expliquei.
— Sério? Quero ver isso! — disse ela, com os olhos brilhando.
Antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, Elsie me agarrou pelo braço e me arrastou pro quintal.
— Vamos lá agora! Já! Partiu! — gritou ela.
— Calma, mulher! — retruquei, rindo. — Você tá com dinheiro?
— Acabei de sacar da guilda, tá de boa! — respondeu, já me puxando.
Pensa numa pessoa impulsiva! Enquanto eu era arrastado, só pensava que ela bem que podia sossegar um pouco.
— Bem-vindos à Berkt! — disse a atendente, com um sorriso.
Era a mesma moça que me atendeu da última vez. Dessa vez, não pediram identificação. Será que ela se lembrou de mim? Se for isso, que memória!
Elsie, ao meu lado, também não precisou mostrar nada. Provavelmente acharam que ela era minha acompanhante. Enquanto isso, a própria Elsie olhava tudo ao redor, boquiaberta, como se tivesse entrado num palácio. Fecha a boca, menina…
— No que posso ajudar hoje? — perguntou a atendente.
— Então… aquela Manopla da Força que vi aqui antes, ainda tá disponível? — perguntei.
— Desculpe-me, mas ela já foi vendida… — respondeu a moça, com uma expressão de pesar.
Que pena. Elsie soltou um “Nããão!” desapontado ao meu lado. Faz sentido, equipamento com encantamento, a menos que seja algo meio esquisito como meu casaco, não fica encalhado.
— Estão procurando manoplas? — perguntou a atendente.
— Isso. Manoplas pra combate corpo a corpo — respondeu Elsie.
Tecnicamente, como são usadas pra bater, poderiam ser armas, mas são classificadas como armadura. Faz sentido terem aqui numa loja de armaduras.
— Manoplas de combate, certo? Temos algumas com efeitos mágicos — disse a atendente.
— Sério? Tem como dar uma olhada? — perguntou Elsie, animada.
— Claro, por aqui, por favor — respondeu a moça, nos guiando até um canto no fundo da loja.
Era o mesmo lugar onde ficava meu casaco. A atendente pegou duas manoplas expostas e as colocou no balcão.
A primeira tinha um tom verde metálico, com um design fluido e elegante, quase como uma obra de arte.
A segunda era dourada com detalhes vermelhos, com linhas mais angulosas e agressivas.
— Esta aqui — disse a atendente, segurando a verde — tem um encantamento de vento que desvia projéteis, como flechas. Não funciona contra ataques mágicos à distância, mas tem uma ótima defesa contra magia em geral.
Desviar ataques físicos à distância? Não é perfeito, mas com alta defesa mágica, o dano de magias deve ser bem reduzido.
— Já esta — continuou, pegando a dourada e vermelha — acumula mana pra aumentar o poder de um golpe. Demora um pouco pra carregar, mas também tem um encantamento de endurecimento, então a manopla não quebra, mesmo com impactos fortes.
Essa é mais voltada pra ataque, tipo um golpe carregado de videogame. A verde é mais defensiva, a dourada é ofensiva. Escolha difícil. Eu prefiro reforçar a defesa e garantir a vitória com calma, então iria na verde. Mas conhecendo Elsie, aposto que ela vai querer a dourada.
— Quero as duas — disse Elsie, calmamente.
— O quê?! — exclamei, virando pra ela.
— Vai comprar as duas? — perguntei, ainda surpreso.
— As duas parecem úteis. Posso usar uma em cada mão, né? — respondeu ela, como se fosse óbvio.
— E as sobressalentes? — perguntei.
— Guardo de reserva. Vai que quebram de novo, como dessa vez — explicou.
Faz sentido. Manoplas de combate sofrem bastante impacto, então ter um par extra é esperto. Perguntei se não seria estranho usar uma sobressalente na mão oposta, mas ela disse que não tem problema. Pelo jeito, ela não luta só com um lado, tipo um boxeador que troca de base o tempo todo.
— Entendido — disse a atendente. — Se sentir algum desconforto ao equipar, é só avisar que ajustamos.
— Tá de boa — respondeu Elsie, experimentando as manoplas uma por uma, sentindo o peso.
— A verde custa 14 moedas de ouro, e a dourada com vermelho, 17 — informou a atendente.
Total: 31 moedas de ouro. Uns 3,1 milhões de ienes. Caramba, é caro… ou será que, com encantamentos, tá até barato? Minha noção de dinheiro sempre vai pro espaço aqui.
— …Touya — chamou Elsie, meio hesitante.
— Que foi? — perguntei.
— …Me empresta uma moeda de ouro. Tô sem grana suficiente — admitiu ela.
— Você não conferiu antes?! — resmunguei, tirando uma moeda do bolso e entregando.
Elsie pagou com três moedas de platina e uma de ouro. A atendente embrulhou as duas manoplas, e eu acabei carregando o pacote. Homem sempre vira carregador, não importa o mundo…
— Obrigada pela compra. Voltem sempre! — disse a atendente, enquanto saíamos.
— A capital é outro nível, né? Tem coisa boa pra caramba. Mas é caro pra dedéu — comentou Elsie, toda animada.
Dá pra entender. Conseguiu o que queria, então tá no Aleppo. Mas, nossa, quatro manoplas pesam pra caramba… Melhor entrar numa ruela e usar Gate pra voltar pro alojamento logo.
— Elsie, vamos ali na ruela pra… — comecei a dizer, mas quando olhei pro lado, ela não tava mais lá.
— Hein? — murmurei, olhando ao redor.
Lá atrás, Elsie tava parada na frente de uma vitrine, encarando algo fixamente. Voltei pra ver o que era.
Era um conjunto preto com babados brancos, um laço grande no peito e uma saia curta com três camadas de renda preta. Parecia um vestido gothloli, mas com um toque diferente.
Elsie ficou lá, vidrada na roupa.
— …Quer comprar? — perguntei.
— Quê?! — exclamou ela, recuando com o rosto vermelho. — N-não, Touya!
— Tô falando, é que… — gaguejou ela. — É pra Lindsey! Acho que combina com ela! Ela curte essas coisas, diferente de mim!
— Sei… — respondi, achando graça. Que irmã dedicada.
— Mas, se combina com Lindsey, deve combinar com você também, né? — provoquei.
— O quê?! — disse ela, ficando ainda mais vermelha, abrindo e fechando a boca sem saber o que dizer.
Que reação exagerada!
— Você e Lindsey são gêmeas, as duas são bonitas. Não tem essa de “não combina comigo” — continuei.
— Bon…?! — exclamou ela, agora parecendo um pimentão. — Do que você tá falando?!
De repente, pow! Um soco na minha costela. Ai, caramba, isso doeu!
— Eu… só tava dizendo… que você ficaria bem com essa roupa… — expliquei, segurando a dor.
— Eu? Com essa roupa? Tá louco? Não combina comigo! — insistiu ela.
— Claro que combina — retruquei.
— Não precisa ficar de papo furado. Eu me conheço, sei que não rola — disse ela, teimosa.
— Aff, Elsie, para com isso! — falei, começando a perder a paciência. — Vai ficar legal, eu sei que sim.
— Eu não sou esse tipo de garota… — murmurou ela.
— Chega! Vamos entrar e experimentar! — declarei, puxando ela pra dentro da loja.
Ignorei os protestos dela, pedi pra atendente trazer a roupa e empurrei Elsie pro provador.
— Que isso, Touya?! — gritou ela.
— Só experimenta, vai! — respondi, fechando a cortina.
Fui pro canto da loja, olhando uns cintos e acessórios pra passar o tempo. Depois de um tempo, a cortina abriu devagar.
— Noooossa — soltei, impressionado.
Elsie tava lá, completamente diferente. O vestido gothloli caía perfeitamente com o cabelo prateado dela. Eu sabia! Ficou incrível.
— Viu? Não disse que não ia combinar… — murmurou ela, olhando pro chão.
— Tá brincando?! — exclamei, incrédulo. — Tá lindo!
— Sério, tá perfeito. Né, moça? — perguntei pra atendente.
— Sim, está encantadora, senhorita! — confirmou a atendente, sorrindo.
Elsie corou, segurou a saia e deu uma voltinha tímida. Mano, ficou muito fofo.
— Beleza — falei, chamando a atendente. — Vamos levar essa roupa!
— Quê? — disse Elsie, surpresa.
Paguei três moedas de prata. Não é barato, mas valeu cada centavo. Entreguei o saco com a roupa pra ela guardar as coisas.
— Valeu… — murmurou Elsie, toda envergonhada, já na rua.
— Bora voltar e mostrar pra todo mundo! — falei, animado.
— Pera, isso não! Tô com vergonha! — disse ela, tentando me segurar enquanto eu já saía correndo.
Quando mostrei a Elsie de roupa nova pro pessoal, todo mundo elogiou. Sabia que ia ser um sucesso! Meu olho pra essas coisas não falha.
Mas, quando souberam que fui eu que comprei a roupa, todo mundo fez uma cara estranha. E, de alguma forma, acabei prometendo comprar roupa nova pra todas elas também.
…Como é que eu me meto nessas coisas?